Como escreve Solange Firmino

Solange Firmino é poeta e professora de Literatura.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Após o café da manhã, normalmente limpo a casa e faço a refeição. Eu não tenho uma rotina na escrita por conta do cansaço. Como não sou exclusivamente escritora e não vivo da escrita, minha rotina matinal não é ler ou escrever.

Na noite anterior, costumo fazer listas do que preciso organizar no dia seguinte, como se fosse uma lista de compras. Tento arrumar um pouco a mesa de livros e anotações para trabalhar melhor. Reservo alguns para ler na fila do médico ou outro lugar, quando o barulho em casa não me permite.

Assisti uma vez a um filme em que o bebê chorava tanto, que a mãe o levava para passear em um canteiro de obras. O barulho da britadeira era tão alto, que ela ficava aliviada em não ouvir seu choro. Eu saio do canteiro de obras que é o prédio onde moro para o silêncio de um parque, quando posso. Mas tenho descoberto que os parques não são mais tão silenciosos.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Eu trabalho melhor à noite, pois não suporto ruídos. Meu prédio é dos anos 30, então vive em reformas. Meu apartamento fica ao lado da janela da cozinha de um bar, que fica aberto praticamente 24h. Quando liga o exaustor, faz barulho; quando tem gol, faz barulho; os cozinheiros conversam alto o tempo todo. Ao lado do bar tem uma padaria 24h. Só ouço agitação. Os vizinhos conversam alto; ouço suas músicas e os latidos dos seus cachorros. Posso acordar antes deles, ou ficar acordada até tarde para trabalhar.

Como escolhi a segunda opção, quando ligo o notebook, às vezes, não fico nem cinco minutos, durmo sentada. Meu ritual ultimamente tem sido colocar fones de ouvido o máximo possível que abafe os ruídos. Mas sem som!

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Não tenho meta, bem que gostaria, mas o dia passa rápido demais. Às vezes passo dias sem escrever. Em outros, escrevo bastante. Tenho uma agenda com datas para entrega de trabalhos e postagens. Sempre confiro para ver se tem algo no limite. Acostumei a deixar rascunhos prontos, quando tive uma coluna quinzenal. Não consigo ter poucas coisas escritas, não me sinto “segura”. Mas nem por isso escrevo todos os dias, mas escrevo bastante, quando posso.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Para escrever um conto, um poema, um ensaio, qualquer texto que eu queira – junto o máximo de observação das coisas, as histórias, as conversas, as leituras, etc. Assim fica mais fácil começar a escrever. Normalmente não tenho dificuldade em começar, mas a falta de tempo, o cansaço e a sonolência me atrapalham bastante na continuação. Posso demorar a acabar e ficar revisando por dias, até semanas.

Sobre a pesquisa, tenho muitas pastas de rascunhos com várias ideias de textos que a todo o momento aparecem enquanto escrevo outra coisa. Às vezes eu me perco. Já excluí muitos rascunhos porque não me agradaram no momento. Tempos depois, achava um papel impresso sem acreditar que ainda tinha tal ‘pérola’. Ou então, precisei de algo que joguei fora.

Agora aprendi a separar um arquivo antes de excluir de vez. Não é tão fácil terminar um texto. A reescrita demora, dá vontade de cortar muito, acho tudo descartável. Tem dias que vou até de madrugada, alucinada de sono.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Eu tenho uma agenda descontrolada, pois aceito projetos além do que poderia alcançar e sempre surgem outros que não estavam na ‘lista’. Mas não tenho medo de não corresponder às expectativas de ninguém. Tenho medo de não escrever o suficiente até morrer. Tenho uma doença crônica, sinto que tenho que fazer tudo ao mesmo tempo, escrever tudo ao mesmo tempo, escrever vários livros, escrever mais contos, mais poemas, ler mais… Mas sei que isso só vai me deixar mais doente. Não posso cobrar de mim o que não posso fazer em 24h: ser mãe, dona de casa, mulher e escritora. Já não sou mais professora, o que me aliviou bastante a carga horária.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Eu mesma reviso meus textos inúmeras vezes e normalmente não peço auxílio, a não ser em livro. Pedi ajuda no primeiro livro porque gostaria que o Carlos Machado fizesse a introdução. No livro de haicais, pedi à haicaísta Lena Jesus Ponte, que me deu dicas valiosas, porém eu mesma fiz a introdução e ele ganhou o primeiro lugar na Fundação Cultural do Estado do Pará. No terceiro e quarto livros eu mesma fiz a introdução e não pedi ajuda a ninguém. Somente no quinto livro voltei a pedir auxílio, dessa vez da amiga portuguesa Graça Pires, que fez a introdução. É bom pedir ajuda. Normalmente outras pessoas leem algo óbvio que deixamos passar.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Eu sobrevivi aos anos 70 e 80, quando não havia computadores. Na infância, escrevia meus “cadernos de pensamentos” à mão. Anotava tudo o que lia e achava emocionante, fazia flores no cantinho dos cadernos e pintava com ‘canetinha’. Fui com três anos para escolinha de fundo de quintal. Aprendi a ler e escrever antes de entrar na escola ‘oficial’. Aos 12 anos, comecei a rabiscar alguns poemas.

Fiz curso de datilografia com 14 anos e passei num teste de emprego para uma editora aos 18 anos. Iniciei em 1991 na UERJ e meus primeiros trabalhos foram datilografados em uma máquina antiga. Mas antes de me formar, os últimos foram feitos no computador do meu namorado. Eu só fui ter computador anos depois.

Até hoje escrevo poemas em cadernos – ganhei uns bonitinhos, feitos com papel reciclado. Até poucos anos atrás, preferia os computadores, mas quando viajava ou precisava sair de casa, sentia falta, até que as escolas onde trabalhava “ofereceram” notebooks aos professores. Eu usei durante anos, até pifar! Atualmente até o celular é um aliado rápido para a escrita, pois uso o bloco de notas quando fico sem papel e caneta na rua, o que raramente acontece. Também uso as redes sociais, E-mails, mensagens, faço postagens, etc.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

Como já disse, as ideias vêm da minha observação do mundo. Leio livros de outros escritores, busco coisas que me interessam, assisto na TV filmes e séries que me inspiram. Ao lado da minha cama tem caneta e caderno. Às vezes acordo com trechos de poemas na cabeça, ou simplesmente anoto palavras que surgem. Na cozinha, na sala, nas estantes, pela casa toda tem caneta e papel.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Eu me considero uma escritora mais madura, depois de 32 anos da publicação do meu primeiro poema em antologia. Tenho cinco livros publicados, o que nem sei se é grande coisa no Brasil. Para mim, tem sido um processo difícil, pois tenho visto muitas editoras acabando, livros sendo feitos somente para serem vendidos para amigos e parentes. Justamente no momento em que eu mais queria ver minhas obras publicadas, um monte de ‘novo’ autor brotou durante a pandemia, quando todos queriam aprender a fazer “pão e poesia”.

Primeira coisa, diria o que sempre disse para meus alunos: releia antes de entregar.

Segunda coisa: não jogue fora tantos poemas.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Cada livro que levo para meu médico, ele pergunta quando vou contar minha história. Eu comecei a pensar em uma maneira de contar a história, sem que vire autoajuda. Outro projeto era fazer um livro de haicai infantil, mas esse eu terminei mês passado. Resta terminar o que estou fazendo, para comemorar meus 50 anos, em fevereiro de 2022. Esse é o que eu quero ler e ainda não existe.

Também gostaria de um dia fazer uma antologia com meus poemas preferidos de todos os livros.

Outro projeto é continuar a ler os livros das minhas estantes: aqueles que ganhei e os que comprei ao longo dos últimos anos.

fonte: https://comoeuescrevo.com/solange-firmino/

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