Enquanto descasco camarão para uma bela caldeirada, uma perna apoiada na outra, como fazem as mulheres do Marajó à beira do jirau, me pergunto por quê estou tão longe de casa, no sítio Alegria de São Jorge, do poeta Márcio Maués, para depois de Belém do Pará. Eu, editor mineiro que comecei publicando nas margens do Rio da Prata, em Buenos Aires. E eis o motivo: o correr das águas, o que elas reúnem e oferecem ao mar. De Maués, temos muito publicado em português, espanhol e francês, a sua poesia sempre com o mesmo frescor, espraiada mundo afora, águas profundas como um céu invertido. Incendiadas. Noites insones que fazem a pele eriçar qual a dos bichos, o pulso e a topografia das estrelas reveladas em espelhos líquidos, tecidos que se rasgam e descortinam o quão sensível é esta pele que nos habita, numa eterna coreografia das urgências que se costura e rasga sobre o peito. São estes os sedimentos que compõem a lírica do nosso Xamã, que não teme as tucandeiras nem as palavras, que doma e faz chegar, do fundo do rio ao avesso do céu, encantadas.
Leonardo Costaneto
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