As impressões sobre o livro “Um outro universo ou tonal” de Francisco Gomes
Os quatro movimentos de uma sinfonia poética em “Um outro universo ou tonal” de Francisco Gomes
Por Elizabeth de Souza
A primeira leitura do livro, aquele momento em que devoramos as palavras com uma pressa ansiosa, como se fosse perder o fio da meada. Uma pressa cheia de expectativa! Nessa pressa, ao ler rápido, senti como se estivesse ouvindo uma sinfonia, uma doce sinfonia em seus quatro movimentos: o movimento da noite, da madrugada, da manhã e da tarde. Viajei nesses movimentos sentindo a beleza, a sutileza e a delicadeza do poeta em sua obra. Acompanhei os movimentos no ritmo “ou tonal” dos meses em que se desfolham sentimentos fugazes perdidos no tempo do agora.
Francisco Gomes mostra seu ser na obra, em sua trajetória poética, discorrendo em um dia repartido entre suas instabilidades, tão estáveis. O ser poético que passa pelas fases de um dia num outono qualquer dentro e fora de si, numa sinfonia em si bemol, um meio tom abaixo do alaranjado do sol.
Nos movimentos dessa sinfonia, ele passa de santo, homem, animal, demônio/deus, conservando em todos os momentos, uma tenuidade atraente em suas palavras. Um abrir-se afável para mostrar cada uma das suas facetas que se manifestam conforme o tempo. Não se revela por inteiro em sua natureza inconstante, na sua viagem pelo tempo tão fugaz, de um dia — as horas passam pelas noites que se acendem, madrugadas incandescentes, manhãs transfiguradas e tardes que se apagam, no seu intenso e tenso outono. Vai se esquivando aqui e acolá, sugerindo mais do que mostrando, de uma forma elegante e amável, mesmo quando o movimento é trágico.
Em todos esses movimentos, os poemas possuem luz própria, mesmo que em diferentes intensidades. As cores dançam entre o escuro, azul, amarelo, laranja e vermelho, denotando seus sentimentos em diversas tonalidades:
1º Movimento (Noites que se acendem) – “Trago… nos passos / que poucos ouvem / o ritmo dos incensos e navalhas / harmonizados à Sonata ao Luar de Beethoven”.
É uma introdução meio desolada, uma luz tênue azulada, poemas com um espectro dualístico, meio santo meio homem, sentindo a falta de algo não explícito, mas impregnado nas entrelinhas da poesia. Esse é o primeiro movimento da sinfonia, onde se faz rápida e forte: sem luz, sem cor, sem folhagem, sem voz, sem lua, sem nome, sem corpo, sem foz, sem sina, sem fim, sem dentro, sem fora, sem asa, sem refúgio, sem rastro, sem limites (lindo demais). Como o desmoronar de uma torre fulminada.
2º Movimento (Madrugadas incandescentes) – meio homem, meio animal?
Começa com a beleza do primeiro poema: “Habito a madrugada / com o materno amor atravessado / nos olhos / no corpo todo / nas lágrimas risos / abraços febres calafrios (…) / Habitar… requer o brilho nos olhos opacos / dos peixes em cardumes / alados / aliados aos ballets de Stravinsky”. Um sublime encantamento levado pelo demônio da insônia: “… da insônia / capaz de adolescer as utopias”. E nessa adolescência, vislumbra outra realidade, além do que se vê e vive. E continua na fria luz azulada, esperando o vir a ser.
3º Movimento (Manhãs transfiguradas) – homem animal deus? “Poderia / divagar às margens do desassossego / de todas as manhãs / sendo orquestrado / pela primeira Sinfonia de Brahms / E posso/ Mas não”.
Um movimento mais agitado, porque as manhãs sugerem luz, calor, sol e prazer, numa cor amarela/laranja/vermelha. A poesia sugere que se poderia fazer, mas fica só no poderia e não avança na experimentação plena dos raios do sol. Ao invés dos prazeres do alaranjado da aurora, permanece nos desprazeres que foram impregnados pelo tempo, Ou Tonal? Um medo de abandonar a luz azulada que encobre e disfarça a si. Um certo não deixar-se levar pelos desejos. Manhãs da lida.
4º Movimento (Tardes que se apagam) – deuses, anjos e demônios? “Impossível não ouvir o coro imprevisível / dos anjos de Bach / ao contemplar / o pôr do sol fixado na tenaz / tarde fugaz (…)”.
Deveria aqui ser um movimento triunfal como em todas as sinfonias. No entanto, é a concretude de um lamento ainda mais pungente: o triunfo do ocaso! O alaranjado que some no horizonte-oeste, sem dó nem piedade, deixando o si, órfão da vida. O belo quarto movimento, uma alusão à tarde que se apaga e o ensimesmar-se.
Li o “Um outro universo ou tonal” como se estivesse ouvindo uma linda sinfonia. Li com intensidade, sentindo as cores e as notas em seus altos e baixos e nos seus intervalos de silêncio, onde uma dose perfeita de melancolia do Poeta mistura-se a uma doce leveza nas entrelinhas de uma triste cor azulada.
Esta impressão sobre o livro do Poeta Francisco Gomes foi publicada no Jornal impresso “O Dia” de Teresina, Piauí. Agradecimentos aos editores do Jornal e ao Poeta.
Elizabeth de Souza – Editora da Revista e Portal Entrementes