Arrisco escrever com todo o afeto do meu coração sobre o livro Narciso. Ele está pleno de interrogações empolgantes e necessárias! O encontro sensível que tive com as palavras de Vânia Vidal move-se em mim com profundidade e desejo. Afinal, quando nasce a identidade? Quando surge a primeira centelha que faz com que a gente consiga imprimir nesse conjunto de versos uma característica única, uma nomeação? Nomeação que defina, que remeta necessariamente à referência de algo conhecido do nosso banco de dados interno. Onde está, portanto, a personagem? Mais ainda, uma personagem que não é atingida por danos ou prejuízos gera qual tipo de cena? E a que é? Em mim, em você? Agora o que chama a atenção é o uso de personagens já conhecidos da nossa cultura euro, branca, capitalista, hetero e falocêntrica que atravessam em mim por quais caminhos? Quem sou eu aqui lendo essas páginas? Somos metamorfoses perpétuas. Talvez amanhã as palavras sejam outras, os sentimentos outros. Porque sim, o sim aqui se faz necessário. É uma convocação à vida. À liberdade. E viver é precisamente precioso. Dizem de Shakespeare (e dizem muitas coisas desse personagem — Shakespeare), que na peça A Tempestade, a personagem Próspero, em seu monólogo final, ao falar que chegou a hora de aposentar sua varinha e abrir mão de seus poderes mágicos, fala do próprio Shakespeare, que depois dessa peça encerrou sua carreira de escritor. Próspero (e Shakespeare) dizem que somos feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos. Mas o que fazer quando é chegada a hora de ir viver outra coisa, outra história, outra cena. E faço esse contato comigo através desses poemas. Será possível que as coisas tenham paz? Ressoa em mim a percepção de que é preciso fazer as pazes com os fins e danço com todas essas personagens em derivações e problematizações dos narcisismos que nos acometem, atravessam e resistem. É preciso coragem para encerrar, finalizar, deixar cair o pano. Sair das narrativas conhecidas e sonhar outros mundos (vastos mundos), diante do outro, que é diferente de mim. Ousar diálogos em outros registros, para além do medo. Vânia Vidal partilha, com uma generosidade preciosa, uma potente travessia, que me lança com força ao contranarciso na sua busca por identidade como nos diz Leminski: “isso de ser aquilo que somos ainda vai nos levar além”.
Isadora Schettert
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