Nossa roça, nossa leitura: literatura e educação do campo nasce de um trabalho coletivo de estudantes e docentes da Área de Linguagens e Códigos do curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEduCampo) da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). A coletividade do trabalho é uma seara formativa que alcança um valor muito caro para a Educação do Campo, de modo geral: a união de pessoas em prol da manutenção da vida em contextos campesinos diversos. Esse viés coletivo, nesta obra, busca reflexões a partir e por meio da PALAVRA – algo essencialmente humano, da vida humana e que ecoa pela linha do tempo, pelos espaços (i)materiais como leitura, comunicação, sentido, luta, arte, questionamento, entre tantas outras possibilidades.
O texto literário, em diferentes gêneros discursivos, configura-se como eixo e dado analítico por toda a produção laboral dos autores, na busca de tecer intersecções entre o texto em si e questões sociais, identitárias, linguísticas atreladas às vivências/movências do campo brasileiro. Nessa perspectiva, a nossa leitura [aqui incluo nós, leitores] atinge nuances profundas, leves, instigantes, provocativas e prazerosas; nós, leitores, na dialogia bakhtiniana, partilhamos reflexões e sensações como em uma típica roda de tereré no Mato Grosso do Sul, com interação e proximidade.
O livro divide-se em sete capítulos, nos quais a tônica camponesa se apresenta, no texto literário, em análises de locuções, imaginário, condição da mulher, relações de poder etc. A criticidade de cada temática encontra-se ancorada em produções bem estruturadas e fluidas. O capítulo 1 mostra que a Fraseologia, com análises das unidades léxicas e suas possibilidades de combinações e de construções de sentido, contribui na leitura, na percepção da constituição literária e histórica do gênero música sertaneja raiz – tão popular na cultura camponesa do Brasil. O segundo capítulo, por sua vez, trata de um romance bastante conhecido na Literatura Brasileira: Inocência, de Visconde de Taunay. Tal romance, ambientado no sertão de Mato Grosso no século XIX, é discutido aqui à luz do tema submissão da mulher, com foco na observação atual da constituição, trajetória e vivência da jovem personagem-título, Inocência.
No capítulo 3, o conto, gênero representativo na narrativa literária brasileira, entra em cena pela primeira vez. Com o estudo do conto Piabinha, de Luiz Vilela, esse texto demonstra, de forma contundente, a estrutura, a relevância do conto enquanto gênero literário e a representatividade cultural do campo no tema, via experiência imaginária de uma criança. Em uma sequência interessante, a contribuição linguística da análise de expressões idiomáticas tem seu espaço garantido e importante no capítulo 4. Nesse ponto da obra, a peça O Juiz de Paz na Roça, de Martins Pena, é revisitada pela investigação de como as expressões idiomáticas podem caracterizar e constituir personagens.
Machado de Assis, com sua crítica social sempre atual, aparece em posição pujante no quinto capítulo cuja reflexão concentra-se nas relações de poder retratadas no conto O enfermeiro. Tais relações de poder são delineadas e problematizadas nesse conto machadiano pela trajetória de um enfermeiro que deixa a cidade para cuidar de um senhor Coronel em ambiente rural. O capítulo 6 também traz à baila o conto, porém em uma abordagem diferente. Nesse texto, há o estudo do narrador e sua memória no conto O trem, de Nélida Piñon, com a interface entre aspectos constitutivos estruturais e temáticos. É válido destacar que as lembranças camponesas são ressaltadas e podem ser vistas como espectros do ato de experienciar sensibilidades e sensações fundamentalmente humanas.
O último capítulo, o sétimo, conclui o livro com a representatividade camponesa em personagens ficcionais do romance O quinze, de Rachel de Queiroz. A apresentação das personagens é elemento crucial da discussão. E a proposta analítica demonstra, como um todo e de maneira nítida, a desigualdade social presente no bojo do contexto campesino brasileiro.
Nossa roça, nossa leitura: literatura e educação do campo nasce propicia novas perspectivas acerca das interfaces entre Linguagens, Literatura e Educação do Campo. Ademais, é uma celebração do trabalho substancial de discentes e professores da Área de Linguagens e Códigos da LEduCampo/UFMS. O convite para a leitura produtiva e saborosa em uma roda de tereré está feito.
Roberta Rocha Ribeiro
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