O romancista, contista, poeta e ensaísta Silas Corrêa Leite acaba de reunir em livro resenhas, críticas literárias, artigos e breves ensaios publicados nas duas últimas décadas em jornais, revistas e sites, direcionados especialmente às obras de autores brasileiros, entre os que já fazem parte da história da literatura nacional e outros, mais jovens, que ainda buscam o reconhecimento da crítica e dos historiadores, sem deixar de analisar também alguns clássicos da literatura mundial. O resultado está em Ensaios Gerais: compêndio de críticas lítero-culturais, lançado pela Caravana Grupo Editorial, de Belo Horizonte, editora que, em seu início, chamava-se Sangre Editorial e produzia apenas formatos artesanais, costurados manualmente, em sua oficina de Buenos Aires. O autor, que revela ter iniciado seu trabalho como crítico com a análise de um romance pseudopolicial do músico Tony Bellotto, dividiu sua obra em três partes. Na primeira, estão resenhas dedicadas a obras publicadas pela Editora Letra Selvagem, de Taubaté-SP, do romancista e editor Nicodemos Sena, entre as quais se destacam Selva trágica, de Hernâni Donato, Sal da Terra, de Caio Porfírio Carneiro, Ventos gemedores, de Cyro Mattos, A maldição de Ondina, do luso-moçambicano António Cabrita, Tratado de anjos afogados, de Marcelo Ariel, O homem deserto sob o sol, de Edivaldo de Jesus Teixeira, e Gente pobre, de Dostoievski (tradução de Luis Avelima). A segunda parte reúne críticas variadas, que incluem textos sobre Angústia, de Graciliano Ramos, e Memória de minhas putas tristes, de Gabriel Garcia Márquez, entre outros. Já na terceira parte, a mais extensa, estão recensões de obras de autores clássicos como Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade e Ferreira Gullar, de poetas como Oleg Almeida, Nicolas Behr e Solivan Brugnara e até do clássico Escritores Brasileiros do Século XX, da professora, ensaísta e crítica literária Nelly Novaes Coelho (1922-2017), entre outras. A propósito de 2024 marcar os 40 anos da tragédia da vila Socó, em Cubatão-SP, é de se destacar a resenha dedicada aos versos que inspiraram o poeta cubatense Marcelo Ariel e fazem parte do livro Tratado de anjos afogados. Vila Socó, que, certamente, homenageava uma cidade bíblica da planície de Judá (Ver 1 Reis 4:10), era um aglomerado de palafitas levantado em região de mangue que foi destruído por um incêndio que matou pelo menos 93 pessoas, provocado por vazamento de combustível de uma tubulação que ligava uma refinaria da Petrobras ao terminal da Alemoa, em Santos-SP. Silas Corrêa Leite observa que, “em meio ao monturo, Marcelo Ariel vaza poemas-lágrimas, poemas duros, tristes, contundentes, assustadoras lascas de seu meio”, acrescentando que, em seus versos, “os perdidos nas estrofes sujas da mais descarnada vida são literalmente revivificados”. Ao final, define: “Marcelo Ariel escreve poemas como quem recupera, com sua placa mãe de captura em alta sensibilidade, os suspiros dos sentenciados; como ainda um pior castigo-condenação do que ter que existir”. Já num ensaio mais longo, de dez páginas, comenta Peregrinações amazônicas: História, Mitologia e Literatura, do professor Fábio Lucas, definindo-o como “obra-prima, um dos melhores livros de literatura brasileira de todos os tempos”. E confessa que saiu “da leitura da obra como se tivesse saído de uma universidade, de um curso de pós, especialização, extensão”. É de se lembrar que o livro analisa obras de autores clássicos como Euclides da Cunha, Benedito Nunes e Ferreira Gullar e vários ligados diretamente às regiões amazônica, norte e nordeste, como Márcio Souza, Benedito Nunes, Lindanor Celina, João de Jesus Paes Loureiro, Nicodemos Sena, Nauro Machado e Clauder Arcanjo, entre outros. Obras de outros poetas de fora do eixo Rio–São Paulo também são discutidas e analisadas por Silas Corrêa Leite. Entre esses, estão o cuiabano Nicolas Behr. “poeta marginal, poeta mimeógrafo, poeta xerox, poeta com unhas e acnes, cunhas e carnes, com larvas poéticas e lavras, com seu poetar bem-brasília em formas, cortes, curvas e rasgos neoexistencialistas”; e o bielo-russo naturalizado brasileiro Oleg Almeida, com seus “poemas hiperbóreos que são as lágrimas hedônicas-tropicais”. Enfim, quem se dispuser a ler este livro de Silas Corrêa Leite, com certeza, para seguir o exemplo citado pelo próprio autor, terá a oportunidade de fazer informalmente um curso de pós-graduação em literatura brasileira. Nascido em Monte Alegre, hoje Telêmaco Borba, no Paraná, Silas Corrêa Leite (1952), além de contista e romancista, é poeta, letrista, professor, bibliotecário, desenhista, jornalista, ensaísta, blogueiro e membro da União Brasileira de Escritores (UBE). Dono de vastíssima obra publicada, é autor de Campo de trigo com corvos (Jaraguá do Sul-SC, Design Editora, 2007), Gute-Gute, barriga experimental de repertório (Rio de Janeiro, Editora Autografia, 2015), Goto, a lenda do reino encantado do barqueiro noturno do rio Itararé (Florianópolis, Clube de Autores Editora, 2013), Tibete, de quando você não quiser ser gente (Rio de Janeiro, Editora Jaguatirica, 2017), Ele está no meio de nós (Curitiba, Kotter Editorial, 2018), O Marceneiro – a última tentativa de Cristo (Maringá-PR, Editora Viseu, 2019) e O lixeiro e o presidente (Curitiba, Kotter Editorial, 2019). Nos últimos tempos, lançou Transpenumbra do Armagedon (São Paulo, Desconcertos Editora, 2021), Cavalos selvagens, romance imaginativo (Curitiba/Taubaté, Kotter Editorial/Letra Selvagem, 2021), A Coisa: muito além do coração selvagem da vida (Cotia-SP, Editora Cajuína, 2021), Lampejos (Belo Horizonte, Sangre Editorial, 2019), Leitmotiv: a longa estrada de fogueiras da cor de laranja: diário da paixão secreta de Anne Frank (Curitiba, Kotter Editorial, 2023), Vaca profana: microcontos (Cotia-SP, Editora Cajuína, 2023), Alucilâminas (Cotia-SP, Editora Cajuína, 2023), Desjardim: muito além do farol do fim do mundo (Belo Horizonte, Editora Caravana, 2023) e H2Opus, poemas (São Paulo, Editora Cajuína, 2023). É autor ainda de Porta-lapsos, poemas (São Paulo, Editora All-Print, 2005), O Homem que virou cerveja, crônicas (São Paulo, Giz Editorial, 2009) e Favela stories, contos (Cotia-SP, Editora Cajuína, 2022). Seus trabalhos constam de mais de cem antologias, inclusive no exterior, como na Antologia Multilingue de Letteratura Contemporanea, de Treton, Itália, e Christmas Anthology, de Ohio/EUA. É autor do primeiro livro interativo da Internet, o e-book O rinoceronte de Clarice, que virou tema de dissertação de mestrado na Universidade de Brasília (UnB) e de tese de doutoramento na Universidade Federal de Alagoas (UFAL). É criador do Estatuto do Poeta, traduzido para o inglês, francês, espanhol e russo.
Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela USP e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Fernando Pessoa: a Voz de Deus (Santos, Editora da Unisanta, 1997), Bocage — o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonia l (Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo — 1788–1797 (Imesp, 2019), entre outros.