Outras vidas de um corpo d’água

A poesia de Bruna Gardel parece ter como imperativo ético fundamental que a tomada de consciência sobre si própria é, inevitavelmente, também a abertura para experiências radicais de estar no mundo. Seus poemas são um acúmulo de registros, impressões, percepções sobre algo muito nuclear em nós, mas que só podem ser devidamente compartilhadas se adotamos algum nível de absurdo como linguagem, porque logo nos enxergamos algo planta, algo terra, algo água. É uma espécie de salto antropológico que move os textos, uma aceitação irrestrita dos vãos e das elipses que fluem por dentro de nós. Impossível viver alguma vida – qualquer que seja – sem viver também outras vidas, tantas quanto possível. Espaço privilegiado que é, a poesia alcança então essa realização máxima do humano, e Bruna está tão segura disso que sabe exatamente de onde vem, mas não quer prever até onde esse corpo pode chegar.