A literatura e os silêncios de mil dobras
O ensaio A escrita como túmulo e memorial em Bernardo Kucinski, de Ricardo Garro, ilumina a ficção de um escritor que, em sua obra, põe em relevo silêncios de mil dobras da história recente do Brasil.
O olhar atento do ensaísta flagra, na obra de Bernardo Kucinski, o ressentimento, o testemunho e a política enredando vidas e promovendo, muitas vezes, o apagamento da história. Ao estudar e expor as fraturas causadas pela violência, pelo exercício totalitário do poder, Garro revela o horror, mas também as tentativas de superação do mal pela escrita.
Nem sempre possível de serem esquecidos, os traumas, na obra de Kucinski, se inscrevem, de acordo com o ensaísta, a partir de uma espécie de acerto de contas com o passado, com a dor. Desse modo, a aproximação à obra de Franz Kafka não está somente no enigma sugerido pela letra K, que aparece, metonimicamente, no livro de Kucinski, mas na condição de seus personagens, na maioria das vezes, presos a seus destinos trágicos, vagando por espaços e tempos labirínticos, desconhecendo o motivo dos males que recaem sobre eles. A trama das suas histórias pessoais e íntimas migram, assim, para o espaço coletivo da memória, aferrolhada a exercícios de poder desmesurado que subjuga e massacra o indivíduo.
Por intermédio da escrita, no entanto, Bernardo Kucinski intenta suturar essa memória, não só a íntima e pessoal, mas a geral, coletiva e compartilhada. Nesse sentido, a história da irmã, Ana Rosa, uma das desaparecidas políticas no Brasil, cujo corpo jamais foi encontrado, e também a história do pai, Meir Kucinski, que como um personagem kafkaniano empreende buscas incansáveis pela filha, conforma-se como uma história que nos atinge a todos.
A escrita como túmulo, assim, não é um monumento destinado ao esquecimento, mas configura-se, na obra de Bernardo Kucinski, como um memorial, uma escuta sensível de vozes que não podem ser obliteradas ou esquecidas.
Lyslei Nascimento
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