Chegar na China por Pequim é assombrar-se. É entrar em uma modernidade ainda não vivida por nós e também mergulhar em uma cultura com mais de 5 mil anos. Foi essa a porta que se abriu para mim e eu entrei. Sem conseguir ler sequer uma placa e me sentindo também muda (eles ainda são monoglotas), senti que eu precisava de ajuda. Como este é o ano do Dragão, resolvi segui-lo. Vamos, ele me disse, não tenha medo. E, soltando pequenas labaredas, segurou minha mão levando-me para o meio de avenidas larguíssimas, arborizadas, lotadas de carros de luxo e motonetas, quase tudo elétrico, garantindo silêncio a toda a agitação. Percebendo meu espanto diante de tantos Porsches, Teslas. Mercedes e, uma certa ansiedade, ele então soltou labaredas prateadas e cochichou no meu ouvido: não se assuste, amanhã vou levá-la a um lugar mais calmo. E me conduziu para a Cidade Proibida. Lá, com 3 mil anos penetrando no meu corpo, entrei em pavilhões e templos maravilhosos, chorando em cada um deles. Não gaste todas as suas lágrimas aqui, o dragão me preveniu, você ainda vai chorar muito, e me carregou para o Palácio de Verão do Imperador, seguindo depois para a Praça da Paz Celestial. Ele tinha razão, as lágrimas chegaram outra vez. Sentindo que eu precisava erguer muros para controlar tanta emoção, ele me colocou em suas costas, abriu as asas e voamos para a Grande Muralha. Muitos degraus depois e um cansaço quase tão grande quanto ela, tentei entender lá do alto aquele povo, suas dinastias, suas lutas, seus sorrisos tímidos diante do meu inglês. Dois dias depois, já menos assustada e mais encantada com esse país onde o antigo e o supermoderno convivem, sou novamente surpreendida por um robozinho que bateu na porta do meu quarto do hotel, falou coisas em chinês e abriu sua portinha me oferecendo a coca-cola que eu havia pedido por telefone. A China não é para principiantes, pensei. Você ainda não viu nada, exclamou meu amigo dragão, agora soltando labaredas azuis. Fomos para Xian em um trem-bala a 350 km por hora e os oito mil soldados de terracota me encararam: estamos aqui para proteger o Imperador Qin em seu mausoléu, explicaram eles, exibindo seus cavalos, seus arcos, seus generais. E o Dragão, que me confessou gostar de ruas peatonais, de restaurantes elegantes e de comer pato laqueado, me levou para desfrutar de tudo isso. Nos caminhos, esbarrei em muitas garotas e garotos vestidos com roupas tradicionais, espalhando beleza pelas ruas e pelo TikTok. É para isso que se vestem assim, explicou o meu amigo. De Xian fomos para Chengdu, onde eu quis ver os pandas. Mas como fazia muito calor e a pandemia os havia assustado, eles me pediram desculpas e se mantiveram longe e dorminhocos no meio daquele parque lindo. Um pouco frustrada, me contentei com um de pelúcia. Não figue triste, você vai se encantar com o que vai ver agora, falou baixinho o meu amigo. E me levou para os arredores da cidade, onde um museu ultramoderno abriga coleção maravilhosa de artefatos do povo sanxingduí, que viveu 1.500 anos antes de Cristo e produziu peças lindíssimas em cobre, jade e ouro. O museu moderno com peças antigas, a China antiga com suas pontes e cidades supermodernas, minha cabeça estava dando nós, mas, incansável, meu amigo dragão não deu trégua, me levou a Guilin. Você vai adorar, disse ele com olhos de afeto. E no meio de uma cadeia de montanhas altíssimas e pontiagudas, deslizamos de barco pelo Rio Li, vendo as embarcações feitas de bambu e seus barqueiros fazendo-as navegar com a força de seus braços e a ponta das varas. Com meus olhos já inundados de beleza, quando chegou a noite ele me levou a um espetáculo, o mais lindo que já vi, com 600 artistas atuando nas margens e dentro do rio, tendo as montanhas iluminadas como cenário. Adormeci embalada em harmonia e paz, com meu amigo dragão sorrindo ao me ver assim feliz. No dia seguinte, mais ruas peatonais — sim, ele gosta —, mais jovens vestidos a caráter, mais McDonald’s e Starbucks, todas as marcas internacionais luxuosas, e eu me perguntando que país comunista é esse? Não se preocupe com essas bobagens, ele me aconselhou. E fomos caminhando, eu já com alguma fome, mas sem vontade de comer a comida de rua que expõe nas bancas coisas estranhas, como cabeças de galinha, de coelhos, sapos fritos, pombas, peixes vivos em aquários. Passamos muita fome antigamente, ele disse, comemos de tudo, mas cachorro, não, isso é invencionice de vocês, complementou. Dessa vez, quem ficou vermelha fui eu, mas de vergonha. Ele fingiu não ver e afirmou que ia me mostrar coisas ainda mais impactantes. Subi novamente nas suas costas e voamos então para Shangai. Lá, no 158º andar, ele apontou para o skyline da cidade com aquelas centenas de prédios cutucando o céu e me disse: há 35 anos tudo isso aqui era uma imensa plantação de arroz. Vendo meu espanto, ele agora soltou labaredas cor de rosa e seguimos para o bairro inglês, depois para o lindíssimo bairro francês: sim, cada um pegou uma parte nossa e o Japão foi o pior de todos, mas isso teve fim, ele vociferou. Agora tudo é nosso e o Estado tem toda a propriedade da terra, para o bem de nosso povo, prosseguiu ele. Você é um dragão comunista?, perguntei. Mas antes que ele me respondesse, olhei para a rua em que estávamos e vi novamente as vitrines da Chanel, Gucci, Louis Vuitton, Balenciaga, os carros luxuosos e me contentei com a sua falta de resposta. Agora quero ir para Hong Kong, falei. Com uma cara um pouco triste, ele afirmou que eu deveria ir sem ele: são muitos ingleses para o meu gosto, dirigem carros na outra mão, falam outra língua, usam outra moeda e até WhatsApp eles têm. Fico por aqui, reiterou. Sentindo que não adiantava insistir, nos abraçamos muito e entrei no avião. Queria muito trazê-lo para a minha casa, mas ele recusou o convite. Estamos no ano do Dragão, tenho muitas coisas para fazer, além de cuidar de você, disse ele me dando um abraço apertado. Retribuí, mas sei que vou sentir muito a falta dele. O jeito foi comprar um de brinquedo. Hong Kong? Claro que fui, mas essa é uma história que fica para uma outra vez.
Lidia Izecson de Carvalho é mestra em Educação e autora das obras infantis Cadê o meu avô? (2004), Almanaque: cortes e recortes da terra paulista (2006), Olhos do mundo (2012), Confusões de dona Ana (2014), e dos livros de contos Não somos nós (2014) e Seridó e outras histórias (2020), selecionado como finalista do Prêmio Jabuti 2021, categoria Contos. Pela Caravana, publicou Cadê o meu passado? (2024).