Das fachadas esplêndidas dos casarões de São Luís do Maranhão passando pelas ruas estreitas e majestosas da Gamla Stan em Estocolmo, o poeta e romancista Tonico Mercador já viu um pouco de tudo em sua vida itinerante pelo mundo afora.
Foi dishwasher em restaurantes londrinos, montador de quiosques em Paris e redator de um jornal semanal no Rio de Janeiro. Muitas dessas experiências serviram de combustível para seus versos e acabaram se manifestando em oito livros, além de terem figurado em um sem-número de suplementos literários ao longo dos anos.
Editado por Leonardo Costaneto, o volume traz um registro de toda a produção de Mercador desde os anos 1970 até os dias atuais.
“No início, confesso que achei um pouco exagerada a proposta do Costaneto de produzir um livro comemorativo dos meus 50 anos de poesia, mas acabei convencido ao ser lembrado de todos os anos que passei caminhando à margem desse ‘mundo das letras’. Por fim, fiquei muito feliz em poder rever minha trajetória contada dessa forma”, confessa o poeta em tom de gratidão.
Composta por textos publicados em diversos meios de comunicação – revistas, jornais e coletâneas – a obra dá uma visão ampla da constituição de Mercador como escritor. Estão lá, registros do seu início, ainda na década de 1970, como um jovem inquieto que inspirado por Sartre, Allen Ginsberg e João Cabral de Mello Neto, planejava fugas para outros países onde pretendia escrever poemas únicos e pessoais.
“A poesia de Tonico é monumental, pois faz um documento válido da esperança que impulsionou a geração de 1968, passando pela Guerra Fria, até chegar ao desencanto e temor com os dias atuais”, explica Costaneto, que escarafunchou arquivos literários variados atrás de compilar material para o livro.
Um dos exemplos do resultado dessa busca rigorosa do editor são os poemas “Dimensão do Homem” e “Sobre Hair”. Premiados em 1º e 3º lugar em um concurso de poesia feito em Barbacena no fim dos anos 1960, os textos foram extraídos de sua publicação original no Suplemento Literário de Minas Gerais, e aparecem no livro em versão fac-símile.
“Ele é um poeta que viveu e que viu muita coisa sem, contudo, fazer concessões em nome de aplausos em detrimento da verdade que o verbo lírico encerra”, acrescenta Leonardo.
Um ‘self-made man’ das letras
Nascido no Maranhão e radicado em Belo Horizonte, Mercador é publicitário há 30 anos, mas nunca deixou a poética de lado. Auto-intitulado como um eterno “drop out” – afinal, ele abandonou quatro faculdades para “seguir a vida e as letras” –, o poeta sempre usou suas caminhadas pelo planeta como a base da sua poética.
“Penso que se eu tivesse vivido dentro de universidades, estudando, pesquisando, minha poesia seria outra, porque meu universo seria completamente diferente”, reflete Mercador, que começou a escrever em 1962, com um soneto citando Carlos Lacerda.
Considerado uma das referência intelectuais na capital mineira, o poeta foi militante político durante os anos de chumbo, quando foi preso, sofreu tortura e teve livros de sua pequena biblioteca confiscados.
“Como a poesia é ilimitada, procurei dar à minha vida um sentido no qual pudesse mergulhar e sair de lá, sempre que possível, um homem renovado. Tive sorte de ter um monte de amigos para me acompanhar nesses mais de 50 anos de trajetória intelectual”, complementa.
Seja trabalhando como barman ou traduzindo James Joyce, ele diz que seu propósito principal foi usar a leitura para expôr o lirismo que existe em todas as coisas. “Quem quer escrever tem que ler, muito, muito, muito. Saber separar o joio do trigo, perceber onde está a poesia no poema, na prosa, na pintura, na música”, argumenta.
Se o passado serviu com um manancial para suas experiências como artista, o poeta já enxerga o momento atual e o futuro com menos entusiasmo.
“Quando ainda não havia internet nem e-mails, um amigo com quem eu trocava cartas, escrevia sempre ao final das suas: ‘Has man a future?’ (‘Existe futuro para o homem?’, em tradução livre). Nos dias atuais, em um Brasil que não valoriza a literatura, a leitura, a educação e a formação intelectual de sua gente, a pergunta se tornou mais urgente”, provoca.
“Não parece uma generalização saudosista?”, pergunto. Ele responde em tom sombrio. “Somos um país de 200 milhões de pessoas em que mais da metade é analfabeto funcional, o que ainda vem se somar a outros milhões que nunca leram um livro na vida. O que esperar de um país assim, onde a cultura é vista como um adereço de escola de samba?”, lastima para emendar na sequência.
“Com a pandemia, vírus de todas espécies obrigando o ‘senhor do universo’ a se esconder sob lençóis e máscaras, fica difícil falar do futuro. O que posso dizer é que ainda estou aqui e quero seguir escrevendo até enquanto puder”, conclui.
Fonte: https://www.otempo.com.br/diversao/antologia-reune-cinco-decadas-da-producao-poetica-de-tonico-mercador-1.2468574