Em As vontades do vento, livro finalista do Prêmio LeYa 2024, Jozias Benedicto nos presenteia com uma obra que apresenta o que a literatura tem de mais valioso. No romance, o leitor é também um criador ativo da trama. A história é de uma família que vive em uma cidade do interior, entre a Amazônia e a aridez do Nordeste. A partir da vontade da mãe, depois de morta, de comemorar seu aniversário em viagem à capital do estado, a trama se constrói com as narrativas dos vários personagens:
a da mãe, do pai, dos três filhos meninos tão diferentes, das cartas da avó, do tio monsenhor, da ruiva e suas premonições, de suas filhas iguais e diferentes como duas gotas d’água, e do senhor fotógrafo e sua mágica.
Cada um revelando sua trajetória, seus desejos, angústias, sonhos e decepções. Assim, o leitor é convidado a participar de um jogo literário, criando a história que lhe aprouver. Ou as várias histórias possíveis. Ora nos aproximamos da narrativa de um personagem, ora de outro. Ora construímos uma história para ali adiante construirmos outra. Somos folhas deliciosamente soltas ao vento, como no trecho do Evangelho que serve de epígrafe para o romance:
O vento sopra onde quer.
Você o escuta, mas não pode dizer
de onde vem nem para onde vai
As vontades do vento também é um livro político. O romance nos transporta para o passado de um Brasil que ainda se faz presente, carregado de ódios pretéritos. Um país que não conseguiu fazer a travessia para um futuro promissor, porque teima em esquecer seu passado.
Dizem que as mães não morrem, afirma o autor. Sem conhecer nossas ancestralidades, não encontramos rumo. Esquecer é morrer, repete uma personagem que precisa resgatar seu passado, para seguir adiante.
E o que falar da forma, da força literária de Jozias, da prosa poética, da leveza da escrita e da sonoridade da poesia que encontramos em cada parágrafo? O autor, com um domínio absoluto da linguagem e da técnica narrativa, transpõe a estrutura do conto para a narrativa longa. O romance traz, na singularidade de cada capítulo, as diversas vozes, os diversos lugares, cheiros e ambientações, tanto de um vilarejo do interior do país, quanto das grandes cidades modernas, sem perder o contexto geral do que se quer contar.
Mergulhar em As vontades do vento é abandonar-se a uma leitura que ora encanta, ora desafia. Desperta a imaginação do leitor e o transforma em sujeito criativo. Talvez seja justamente esse um dos papéis centrais da literatura. Talvez.
Andreia Fernandes
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