São raros os exemplos na literatura em que o singular se torna plural, o exclusivo se arvora em múltiplo, o único se faz diverso. É o caso de Fred Garcia Fernandes, que, além de gestor acadêmico, pesquisador, docente, tradutor e crítico literário, agora, com este romance, Submissa gramática dos corpos, nos oferece uma obra que, para quem conhece a sua sensibilidade artística, há muito pedia a sua escrita – uma história que só poderia ganhar, na solidez da verossimilhança ficcional, a atmosfera perturbadora (mas esperançosa) criada por um escritor nato. Se o seu talento nos trouxe estudos seminais sobre a interface literatura e oralidade, Fred comanda, nesta aventura literária, vozes de personagens marcantes que emergem de dois espaços: o assentamento das Flores e um hospital de alta classe, durante o período em que vivemos confinados pela pandemia. Os protagonistas, inominados, enunciam seus dizeres, mas estão fechados para os dizeres alheios, submetidos à gramática do próprio corpo. E o que é o corpo senão a alma desses nossos tempos espúrios? Atravessando a encruzilhada das falas que egressam do assentamento e do hospital, multiplicam-se as notificações de aplicativos de celulares, que se espalham como outro vírus, o da linguagem (ou contra a linguagem dominante), ganhando também a dimensão de personagem extra, adjuvante, com seus ditos inéditos (para fomentar o consumo). Assim, o romance, vertebrado por uma complexa disposição de narrativas, impõe o seu desenho experimental, não por gratuidade, mas por ordem das vísceras, de seu próprio núcleo diegético. Uma obra que exige do leitor, para o alto desfrute, a máxima atenção. Estreia assombrosa de Fred Garcia Fernandes.
João Anzanello Carrascoza
Avaliações
Não há avaliações ainda.