Seis poemas de Bruno Cena Macedo

Bruno Cena Macedo nasceu em Canto do Buriti (PI) e reside em Nova Prata (RS). Possui graduação em Letras/Espanhol pela Universidade Estadual do Piauí e pós-graduação lato sensu em Psicopedagogia Institucional e Clínica pela Faculdade Famart. É membro da Academia Independente de Letras e da Confraria dos Bibliófilos do Brasil. Autor do livro Aos clementes, esperançai-vos (Editora Porto de Lenha – 2020). Participou como coautor em diversas antologias literárias.

***

Aos poucos

Vou te matando devagarinho a conta-gotas

Te asfixiando pelas metades e extremidades dia a dia

Te enchendo de esquecimentos

Pelos cantos vou te largando, com vontade

Soprando meu vento em teu rosto magro

Assim como o vento sopra à terra seca

E dela faz poeira a levando para o nada

Queria te dissipar por completo

Assim, de uma única e singular vez

Mas precisa ser bem devagarinho

Vou te deixando no vácuo, sem respostas

Apagando teu nome dos diários e frestas

Excluindo teu “nome”, teu rosto, tua voz

Te deixando largada na sola do sapato

Eu vou te humilhando na ponta da unha

Reduzindo ao nada quem um dia foi tudo

Te lanço no horizonte cheio de partidas

Sei que ele te consumirá para sempre.

Rodopiando ás três da tarde

Rasgados os verbos na rua central

Uma plantinha murcha no canteiro

Uma obra parada na esquina

Uma idosa querendo atravessar à rua

Uma calçada suja, o ônibus lotado

Uma banda de música ensaiando

No prédio colonial do calçadão

Tem uma banda de laranja no meio fio

O cachorro do moço bonito faz xixi no poste

Um refugiado vende coisas na praça

Ao lado de um senhor que vende sorvetes

Eles conversam com sorrisos nos rostos

Tudo segue seu curso natural das coisas

Rasgando os verbos e a nossa língua materna

Para que o “vou ir”, se o “vou” já promete “ir”?

Buzinas, desprezos, preços, soberba à vista

Bandeiras a meio mastro dizem luto

Um cortejo fúnebre de alguém antes ilustre

No esquife todo ilustre é morto, só morto.

O mito da morte

Um desgoverno desgovernado

Indecente e negacionista

Minimiza a dor e o sofrimento

Dos seus, dos outros, de todos

Abre à boca e profere insanidades

Tem conchavo com à mediocridade

Destila ódio em tudo o que diz

Do pasto é rei, é o gado soberano

O salvador da pátria, que do nada surgiu

A solução para os problemas do Brasil

A defesa da moral e da família

Só que não, ele é o nosso atraso

E se muitos se foram tão depressa

A culpa é dele, a culpa é dele, dele.

Beco vermelho

Cercaram eles por todos os lados possíveis

Pegaram os tais com à boca na botija

Desculpas esfarrapadas não colam

Alguém disse já de murro armado

É melhor ligar logo para à polícia, disseram

Não, a gente vai resolver sem polícia

Disse o mais alto e forte de todos os dez

Os meninos ficaram acuados entre si

Começou a pancadaria sem pausa alguma

Sangue negro jorrando por todos os lados

Gritos pediam para parar e por ajuda

Quem assistia, apenas filmava em silêncio

A polícia não veio, talvez ninguém chamou

Resolveram tudo ali mesmo.

Rua das Hortênsias

Ora falsifico-me de instantes demorados

Trocando em miúdos os “muito” grandes

Que pena que à pena nunca sai de cena

Queria ver à rua sem pensar em escrever

Olho com demora cada vão e viu detalhe

Das horas que passam não sei lembrar

A gota d’água cai sobre minha cabeça

É o prenúncio da chuva que parece vir

Então a chuva demasiadamente inunda

E eu choro oceanos de intensas lágrimas

Mas ninguém vê, pois está chovendo

Percorro sozinho as trilhas que me levam

Ando devagar, já não tenho mais pressa

Não sei aonde chegar, mas sigo o caminho.

Cores sob mandalas

Me perdoem os desavisados por existir

Por trazer flores para casa, na bicicleta

Em meio à guerra hostil instalada

Sinto muito pela demora em revelar-me

Um saco cheio de distintos cacos

Que o tempo como sendo um bom fabricante

Fez a especial delicadeza de fazer mosaicos

Me desculpem os amores antigos

Por estar sendo um verdadeiro traidor

Diante do deslumbramento do novo

Naufragando aqui e ali todas as horas

Movendo os limites, descobrindo amplitudes

O tempo, porta sem fechadura alguma

A gente, desejo insano de não ter trancas

O riso, uma forma do rio correr invisível

O amor, um construtor de reticências

Observem as cores sob mandalas

O poema é um abrigo temporário

A saudade é uma média de café, sem açúcar.

fonte: http://ruidomanifesto.org/seis-poemas-de-bruno-cena-macedo/

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