Bruno Cena Macedo nasceu em Canto do Buriti (PI) e reside em Nova Prata (RS). Possui graduação em Letras/Espanhol pela Universidade Estadual do Piauí e pós-graduação lato sensu em Psicopedagogia Institucional e Clínica pela Faculdade Famart. É membro da Academia Independente de Letras e da Confraria dos Bibliófilos do Brasil. Autor do livro Aos clementes, esperançai-vos (Editora Porto de Lenha – 2020). Participou como coautor em diversas antologias literárias.
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Aos poucos
Vou te matando devagarinho a conta-gotas
Te asfixiando pelas metades e extremidades dia a dia
Te enchendo de esquecimentos
Pelos cantos vou te largando, com vontade
Soprando meu vento em teu rosto magro
Assim como o vento sopra à terra seca
E dela faz poeira a levando para o nada
Queria te dissipar por completo
Assim, de uma única e singular vez
Mas precisa ser bem devagarinho
Vou te deixando no vácuo, sem respostas
Apagando teu nome dos diários e frestas
Excluindo teu “nome”, teu rosto, tua voz
Te deixando largada na sola do sapato
Eu vou te humilhando na ponta da unha
Reduzindo ao nada quem um dia foi tudo
Te lanço no horizonte cheio de partidas
Sei que ele te consumirá para sempre.
Rodopiando ás três da tarde
Rasgados os verbos na rua central
Uma plantinha murcha no canteiro
Uma obra parada na esquina
Uma idosa querendo atravessar à rua
Uma calçada suja, o ônibus lotado
Uma banda de música ensaiando
No prédio colonial do calçadão
Tem uma banda de laranja no meio fio
O cachorro do moço bonito faz xixi no poste
Um refugiado vende coisas na praça
Ao lado de um senhor que vende sorvetes
Eles conversam com sorrisos nos rostos
Tudo segue seu curso natural das coisas
Rasgando os verbos e a nossa língua materna
Para que o “vou ir”, se o “vou” já promete “ir”?
Buzinas, desprezos, preços, soberba à vista
Bandeiras a meio mastro dizem luto
Um cortejo fúnebre de alguém antes ilustre
No esquife todo ilustre é morto, só morto.
O mito da morte
Um desgoverno desgovernado
Indecente e negacionista
Minimiza a dor e o sofrimento
Dos seus, dos outros, de todos
Abre à boca e profere insanidades
Tem conchavo com à mediocridade
Destila ódio em tudo o que diz
Do pasto é rei, é o gado soberano
O salvador da pátria, que do nada surgiu
A solução para os problemas do Brasil
A defesa da moral e da família
Só que não, ele é o nosso atraso
E se muitos se foram tão depressa
A culpa é dele, a culpa é dele, dele.
Beco vermelho
Cercaram eles por todos os lados possíveis
Pegaram os tais com à boca na botija
Desculpas esfarrapadas não colam
Alguém disse já de murro armado
É melhor ligar logo para à polícia, disseram
Não, a gente vai resolver sem polícia
Disse o mais alto e forte de todos os dez
Os meninos ficaram acuados entre si
Começou a pancadaria sem pausa alguma
Sangue negro jorrando por todos os lados
Gritos pediam para parar e por ajuda
Quem assistia, apenas filmava em silêncio
A polícia não veio, talvez ninguém chamou
Resolveram tudo ali mesmo.
Rua das Hortênsias
Ora falsifico-me de instantes demorados
Trocando em miúdos os “muito” grandes
Que pena que à pena nunca sai de cena
Queria ver à rua sem pensar em escrever
Olho com demora cada vão e viu detalhe
Das horas que passam não sei lembrar
A gota d’água cai sobre minha cabeça
É o prenúncio da chuva que parece vir
Então a chuva demasiadamente inunda
E eu choro oceanos de intensas lágrimas
Mas ninguém vê, pois está chovendo
Percorro sozinho as trilhas que me levam
Ando devagar, já não tenho mais pressa
Não sei aonde chegar, mas sigo o caminho.
Cores sob mandalas
Me perdoem os desavisados por existir
Por trazer flores para casa, na bicicleta
Em meio à guerra hostil instalada
Sinto muito pela demora em revelar-me
Um saco cheio de distintos cacos
Que o tempo como sendo um bom fabricante
Fez a especial delicadeza de fazer mosaicos
Me desculpem os amores antigos
Por estar sendo um verdadeiro traidor
Diante do deslumbramento do novo
Naufragando aqui e ali todas as horas
Movendo os limites, descobrindo amplitudes
O tempo, porta sem fechadura alguma
A gente, desejo insano de não ter trancas
O riso, uma forma do rio correr invisível
O amor, um construtor de reticências
Observem as cores sob mandalas
O poema é um abrigo temporário
A saudade é uma média de café, sem açúcar.
fonte: http://ruidomanifesto.org/seis-poemas-de-bruno-cena-macedo/