Recebi da editora Caravana um livrinho de 60 páginas chamado A palavra que nunca termina. Nunca tinha ouvido falar do seu autor, Júnior Cordeiro, cujo nome extenso é José Valni Cordeiro Lima Júnior. Nasceu em São João do Cariri, na Paraíba, no dia primeiro de janeiro de 1982. Já gravou alguns discos, é professor da Secretaria de Educação da Paraíba. Poeta, compositor, cantor, Júnior é um Cordeiro capricorniano e sua poesia dialoga com elementos mágicos, telúricos e sociais de sua região. Seu poder inventivo é enorme e, no vocabulário, me lembrei por vezes de seu conterrâneo Augusto dos Anjos. O poeta fala de hectares e assombramentos. Sua poesia aborda guizos de cascavéis, esqueleto de água, carniças, mudas alcateias, estrumes. Em “Sísifo no cume do serrote” dá bem a medida de sua força poética: “Quis agarrar de novo o franco nada/ mas viu prumo até na dança das antenas/ E rezou avoando. E sorveu o sol com graça/ de quem decifra o fogo e os poemas.” Em alguns textos, há versos de apenas uma palavra: ”estacas/ cumeeiras/ estábulos”, sugerindo os currais de pedra, vultos, câmera de ecos e sentidos da rosa e da rasa artesania do homem. A estranheza faz parte desse tecido de fonemas em seu “não-ter-fim”, como se lê no inusitado “Sob o cavalo de Heidegger”. O ser e o tempo entre as “fulvas tiras de sol” e os “silêncios mordendo as lamparinas”: imagens de desaprumo e estrondo que brotam da caligrafia que é também erótica, visando o “leste do teu seio”, que é “campo de moinhos,/ searas/ e sereias.” De seus bons textos, destaco o soneto “Rosário das seis”, capaz de mexer até com as insensíveis pedras: “Quando em minh’alma tonta e asfaltada dá seis horas, aos tombos dos minutos, de uma infância longe e envultada, vêm-me à boca os mais dormentes lutos. Silvos perdidos, em sons diminutos de palavrares que ascendem do nada, rasgam-me o peito em solavancos brutos: tropel de vozes no gume de espada. Voltam os pios, os chiados lívios, a mansidão do desbulhar dos dedos. Meu choro preso canta os seus alívios. E, gáudio, vibro, cônscio penitente, brandando ao tempo meu 0 vital segredo: São seis horas em mim, eternamente.” Há também o soneto do beato Malaquias, “um andejo atávico, sonhador, holístico” que me remete a figuras de Ariano Suassuna. O viés crítico e social está inteiro e intenso no poema “A cidade”, do qual transcrevo os trechos: “a cidade desespera sua voz/ como um labirinto de calor/ e Kafka/ rítmica e azáfama// a cidade precisa/ ataca/ urge o seu tesão fatal// come suas tarefas/ esturrando um duro andejo/ subindo fálica// a cidade o tempo todo esporra/ jogando os seus dígitos no sol.” É recorrente a palavra “hectare”: aponta para o latifúndio mudo e as encruzilhadas onde há “os minerais e os organismos bestiais entre grifos, caiporas, centauros e carrascais” nessa poesia que é chã e cósmica, fala da onça e de Sísifo, é “onilírica” e grita contra o “silêncio agressivo de masmorra”, como se lê em “Vereda derradeira” — título que também caberia a esse belo livro de poemas.
Caio Junqueira Maciel nasceu em Cruzília, MG, em 1952. Mestre em Literatura Brasileira pela UFMG, publicou contos, ensaios, poemas e romance. É autor de O sangue que rejuvenesce o Conde Drácula, A escritura do tempo na poesia de Dantas Mota, Um estranho no Minho, Pele de jabuticaba e Os sete sábios da Grécia & outros poemas safados. Letrista musical, tem parcerias com vários compositores, como Zebeto Corrêa, nos álbuns Era uma voz, Trilhas da literatura brasileira e Recado de Minas.