Gravidez poética

“A educação é uma das coisas deste mundo em que acredito de maneira inabalável” Cecília Meireles



A maternidade poética é destino certo de uma alma afeita à imensidão, sobretudo se incentivada. A fertilidade afetiva é crucial para reter a vida da poesia no útero da imaginação. Dos sonhos. Da esperança. E, depois de um tempo, a vida se faz verbo… e o verbo chega ao mundo, ao mundo da literatura.

Nesse sentido, meu trabalho de parto se iniciou bem cedinho, quando, ainda em fase de alfabetização, tentei dar à luz uns versinhos no dia do aniversário de minha mãe. Confesso que saíram prematuros. Frágeis. Trêmulos. Mas a mãe aqueceu e deitou aquele pedaço de papel numa caixinha com todo zelo e cuidado que nem a mais hábil traça o encontrou até o dia de hoje.

Depois, já estando na segunda série, carreguei, no forninho da criatividade, um miniconto — era por demanda escolar. Embora não goste de parir em meio às contrações da obrigatoriedade, até que aquela concepção foi, aparentemente, bem-sucedida — pelo menos, era o que os olhos de minha mãe mais tarde me diriam.

Bem, para resumir, a narrativa contava a história de uma menina, hiperbólica por natureza, que criava e superdimensionava os próprios dramas. Num certo dia, porém, se deparou com sua nova amiguinha, uma verdadeira obra do sofrimento sem a coautoria do exagero. Com isso, minha personagem pôde perspectivar sua trajetória com o olhar eufêmico da gratidão — nada de sobredourar e inventar impasses cotidianos.

Dessa forma, eu já começava a criar personagens para serem habitação dos ensinamentos da minha mãe, que mirava as singelezas da existência através de óculos com grau máximo de fé. Minhas professoras, por sua vez, aplaudiram com sorrisos nada econômicos aquele pequenino enredo advindo de uma “humaninha” pronta a fazer crescer e multiplicar palavras sobre a face branca dos cadernos.

Levei a história para casa — lugar de resguardo. A mãe juntou as sobrancelhas em sinal de atenção ao best-seller que circularia nos continentes de seu coração e se viu refletida naqueles minúsculos parágrafos — é claro, tinha o seu DNA. Gostou tanto, não sei também se por amor materno enxergar extraordinário monumento em rabiscos de infância… apreciou tanto que girou a manivela verbal do compartilhamento, antiga forma de passar oralmente a outras pessoas aquilo que, verdadeiramente, se curtia. Como vovó coruja, seu amor tão logo transbordaria em publicidade: fotografou aquela miudeza ficcional e narrou a outras crianças. Achei curioso ver as palavras geradas em mim passeando de forma independente pelo ar, fazendo amizade em novos ouvidos e adolescendo em outros pensamentos.

Dona Ninha talvez não saiba, mas o cuidado com o poema e o miniconto recém-nascidos sobre o papel me encorajou a encarar muitos partos, alguns doloridos que só; outros cheios de anestesia como esta crônica. Se ando por aí grávida de poesia, devo isso ao amor materno, que torna fecundo o ventre da imaginação.

Luciana Faht é graduada em Letras-Literaturas pela UFRJ, especializada em Língua portuguesa pela UFF e mestranda na área de português pela UFRJ. Desde a adolescência, criou paixão pelo hábito da leitura e, à medida que era tocada pelas palavras, sentia-se também atraída pelo exercício da escrita.

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