Há uma lição do contista uruguaio Horacio Quiroga, que descreveu como poucos o ambiente de Misiones, na fronteira da Argentina e Brasil: “Toma teus personagens pela mão e leva-os firmemente até o fim”. Isso talvez seja uma chave de leitura para entender a precisão de autores e permanência de trabalhos como de Poe, Tchekhov, Lygia Fagundes Telles (Venha ver o pôr do sol), Sartre (O Muro), Borges, Cortázar, Tatiana Tolstaya, quando simplesmente não esquecemos nunca de alguns de seus contos. Em outro contexto, e a partir de outro olhar, mas a escritora, jornalista e militante social Helenna Castro certamente cumpre esta lição em seu livro de estreia de contos, “Tarda, mas não falha e outros contos” (Caravana Grupo Editorial, 2023, 46 páginas). Seus contos margeiam uma dicção de crônica, devido à proximidade da narradora com o leitor, na forma de uma confissão bem elaboradora. A voz principal é de mulheres trabalhadoras, do sul da Bahia, com vigor e força buscando o estudo, a militância, o conhecimento, porém deparando-se com a brutalidade, a insegurança permanente, do patriarcado e com a violência e morte do machismo. “Solidão não significa segurança”, afirma logo de cara em “Azul maciço” (página 9). Os três primeiros textos do livro, “Azul maciço”, “Tarda, mas não falha” e “Homem-corrente”, são uma sequência de porradas no leitor, que não consegue parar de acompanhar a narrativa de Castro. Há um nítido pêndulo no livro entre a crítica à construção do machismo — “Ele era, evidentemente, um homem educado sexualmente por pornografia barata” (página 24); como contraposição, temos a voz e um relato de solidariedade e apoio mútuo entre mulheres. “Olga confundia os sonhos que tinha para a irmã com os que tinha para si mesma” (página 14). Adiante no livro, “Clarisse” é um declarado exercício de dialogismo com a personagem do último disco de Renato Russo, da Legião Urbana, porém acentuando as tintas da depressão e suicídio da jovem como resultado da violência contra a jovem e do estupro — o que era apenas sugerido na letra do roqueiro, que vai sendo apropriada e reconstruída na diegese de Helenna Castro. A editora Caravana, que tem raiz firmada em Minas Gerais e também em Buenos Aires, dirigida pelo jovem editor Leonardo Costaneto, sempre atento a nomes experimentalistas, estreantes e progressistas para suas publicações. Costaneto conforma uma geração de editores negros, mudando o perfil do setor — caso também de Wesley Barbosa, da editora Barraco Editorial. Tenho orgulho de ter publicado com a Caravana o livro “A Engenheira da Memória” e vejo vários autores/as, jovens, críticos, militantes, aparecendo na lista de suas publicações. Militante política da organização Consulta Popular e ligada a movimentos populares, mulher negra, comunicadora popular, Helenna Castro nos deixa uma grande ansiedade para conhecermos sua próxima obra. A primeira já deixa marcas fortes.
Pedro Carrano nasceu em São Paulo, SP, em 1980, e vive em Curitiba, PR, desde os 10 anos. Publicou A engenheira da memória (2021), Meninos sem matilha (2020), Com os ossos abertos (2020), História da Comuna de Oaxaca (2018), Sanga (2017), Entre muros e montanhas (2017), Cidade das pessoas (2016) e Vértebras e um Primeiro Testamento (2013). Carrano também é repórter e colunista.