O novo livro de Milena Nascimento, Notas de prenúncio, está povoado de pequenas ocorrências, que para alguns de nós, são absolutamente estruturantes ainda que pouco perceptíveis. Quem anota, quer salvar alguma coisa do esquecimento, e sobretudo, quando falamos de poesia, trata-se de dar uma forma àquilo que, por motivos próprios, merece um canto para ficar. Chás, alfazemas, cirurgias, coadores de pano, cortes, muitas espécies de fome estão todas em seu devido lugar. O leitor tem em mãos um livro de poemas cuja radicalidade se pauta no ato de anotar, não o extraordinário ou excedente, mas o que se move pouco, atos de qualquer um, aquilo que se repete, que precisa ser repetido para sustentar uma vida. É interessante como a poesia brasileira contemporânea nos apresenta, em seus variados estratos, poemas que podem ser ao mesmo tempo registros de coreógrafa, marcações de encenação, prontuários de pós-operatório como vemos no novo livro de Milena Nascimento. Além disso, este livro-vitrine nos permite ver certas paixões da expositora: uma vontade de cartografar todas as ocorrências que povoam os dias como se fosse uma espécie de obsessão — capturar o que passa por mim —, mas também uma atitude vital de estar vinculada, ligada, em transe com os dias e as noites. Como se fosse o único pacto desse livro agora em exposição: criar ligas com o que dele se aproximar. Mas o que essas notas de prenúncios antecipam? De que são compostos poemas que, em vez de inventarem o que virá, querem ver o que vem? Aqui, no entanto, não há qualquer escala futurística, pelo contrário, estamos diante de um exercício delicado de flagrar o que já está nas casas, nos jogos entre amantes, instalado no corpo. É este flagrante que os poemas nos oferecem. Este livro está aí como um arquivo dos acontecimentos sem paradeiro, sem história, sem par. Vivências cotidianas, portanto, alucinantes: “na noite passada eu vi um boi passando entusiasmado pela rua/ mais um personagem que não aparece nas imagens mas que eu vejo e ele também me enxerga”. Nesses poemas as cenas são abrigos de gestos, cuja amorosidade às vezes não está em reter, mas soltar, deixar ir, desabrigar. Em cada página, o leitor verá, há um gesto atravessando a cena. Milena nos ensina que uma cena existe para que possamos fazer alguma coisa com ela, assim como um objeto na vitrine exige ser sutil brutalmente desejado. É verdade que os poemas, neste caso, não são objetos, mas forças irradiadoras pelas quais muitas presenças se movimentam. Uma alegria a vinda desse livro. Recomendo-o aos passantes.
Moisés Alves
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