Em seu livro de estreia, Aline Leão brinca de quebra-cabeças. O sugestivo título intriga: a autora mira no miúdo, na migalha, na pista, no vestígio – como quem espia pelo buraquinho do telescópio pra flagrar o firmamento. Associando o método documental-surrealista do Murilo Mendes de Janelas Verdes à investigação autobiográfica na colheita de instantâneos visuais dos ensaios de Georges Didi-Huberman, sua escrita fora da casinha é aproximativa, não busca juízos finais – “o ensaio é a mente quando brinca”, diria Cynthia Ozick. Então ela instaura pequenas iluminações líricas em forma de microcontos: de uma ilha que divide continentes e ideologias à busca de Vênus no aplicativo, da estranheza de sentir no corpo um gadget que ouve o coração à descoberta dos meandros de um chuveiro, do silêncio dos pais ausentes a máquinas de costurar o tempo, de cavalinhos de plástico a profetas sem cabeça, de sereias a sibilas. “Fabricar estilhaços e recompô-los: é esse o trabalho da sibila”, diz Aline, e a gente entende – os sinais estão bem à vista. Use seu telescópio e mire no pequeno para ver o futuro.
Ronaldo Bressane
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