Dantas Mota, poeta mineiro de Aiuruoca, em belo verso de seu Noturno de Belo Horizonte, cunhou esta imagem: “Triste e duro como uma garrafa sobre a mesa.” Paulo Mendes Campos, outro mineiro bom de texto, e que por sinal tem um livro chamado Os bares morrem numa quarta-feira, é autor de belíssima e poética crônica sobre os cavalos do Leblon, em seu outro livro, Homenzinho na ventania, em que se vê como um cavalo noturno, com as patas dianteiras sobre o balcão de um bar. Beber é um jeito de sonhar, com direito a todos os pesadelos que entram de lambugem. Escritores, que normalmente detestam a realidade, assim como já escreveu o cineasta e escritor Woody Allen (mas que, por incrível que pareça, nunca foi chegado às biritas), têm uma longa história com a bebida. Que me desculpem os amigos do AA, mas, na literatura, umas e outras tecem noites e acordam os galos das manhãs. Não que o escritor deve estar sempre bêbado, como aconselhava Baudelaire — acrescentando, na verdade, que a embriaguez não se deva tão somente ao álcool, pois, creio também, devemos estar sempre embriagados pelo entusiasmo de viver. Longe de mim, neste texto, discorrer sobre malefícios ou benefícios da bebida, ao longo da História. Apenas, entre um gole e outro, dizer que outro dia reli o pequeno grande livro de contos Um homem bebe cerveja no bar do Odilon, do mineiro de Paraguaçu, Jeferson Ribeiro de Andrade. Além do conto que dá título ao livro, daquele sujeito que passa o dia inteiro bebendo cerveja no bar do Odilon, deixando apenas ali o seu mistério, há outro texto que pega fogo: trata-se de A noite louca do bar dos poetas. E nesse conto, o autor bota na boca do escritor Antônio Barreto este belo trecho: “A solidão de muitos, o desespero de tantos, todos, os que bebem. Eu assistindo a tudo, a paisagem deste meu país, recolhendo o dinheiro no caixa, um pouco que me faz viver de esperança. Até quando, até quando?” Nesse livro há uma outra obra prima do Jeferson: o texto denominado Flamengo, que conta a história de um fanático torcedor do time carioca, ouvindo rádio de pilha, nervoso com o desempenho do seu clube querido, bebendo desvairadamente e brigando com a esposa. Só quem é apaixonado por futebol e cerveja vai assimilar bem esse conto; somente uma esposa que não está nem aí para futebol vai compreender bem essa marcante narrativa. E, voltando aos mineiros do início, Paulo Mendes Campos, na crônica Por que bebemos tanto assim, de Homenzinho na ventania, afirma que não defende o alcoolismo, pois o uísque não lhe interessa, mas sim a criatura humana, “esta pobre e arrogante criatura humana, já confrangida por um destino obscuro, arrumada odiosamente numa sociedade dividida em castas, uma sociedade sanguessuga”. E Paulo advoga, em “seu desespero-dialético, a melhor distribuição de fantasias terrestres”. Por sua vez, numa entrevista, o poeta Dantas não hesitou em responder: “Com perdão da má palavra, só escrevo bebendo, e à máquina.”
Caio Junqueira Maciel é mineiro de Cruzília, mestre em Literatura Brasileira, pela UFMG. Além de livros de poemas, é autor do romance Um estranho no Minho. Publicou com a Caravana O sangue que rejuvenesce o Conde Drácula, livro de ensaios. Letrista musical, tem parcerias com vários compositores, como Zebeto Corrêa.
A bebida é a luz no fim do túnel do escritor. Vou procurar esse Jeferson Ribeiro de Andrade. Os outros tds aí eu tenho alguns livros – ótimos livros – deles.
Dantas Motta é uma dessas relíquias da literatura de língua portuguesa injustamente esquecido. Nem a crítica nem as novas gerações (rendidas e vendidas aos fetiches do deus mercado) conhecem essa grands viz da poesia, preferem incensar mediocridaded e erguer altares ao lixo poético e ficcional. Bela resenga do Caio fazendo justiça, relembrando esse Mestre.
Como sempre, leio com delícia você, Mestre.
Como sempre, leio com delícia você, Mestre.
A gente lê um texto inteligente e leve desses e fica numa sede danada.
Gosto de bares. Passei boa parte de minha vida desenhando e escrevendo nos botecos da minha cidade natal – portanto, bate saudade, porque isso é de um tempo bastante remoto, agora. Mas os bares são constantes em meus contos e romances. No entanto, sempre fui covarde pra beber e podia ficar horas numa mesa de bar “enrolando” com algum refrigerante. Mas tinha amigos que enchiam a cara convictamente e de vez em quando era arrastado pra uma cervejada com eles. Gosto, porém, de uma frase de Aldous Huxley que está num de seus romances, talvez no “Contraponto”: “Prefiro a embriaguez da sobriedade.”