Uma característica que não faz parte da natureza humana é o isolamento. Precisamos um do outro. Tanto que o amor é tema visitado e revisitado nos intermináveis diálogos da humanidade. A história de Robinson Crusoé, cujas páginas devorei por alguns meses, permaneceu comigo desde a adolescência. Se compartilhei com o navegante a angústia da solidão na ilha; hoje penso que sua condição radicalmente isolada é impossível. Recordo-me do comentário de Héctor Oesterheld (roteirista do quadrinho argentino O Eternauta), fazendo seu contraponto ao mito do náufrago: o que importa, na verdade, é o “herói coletivo”, aquele que sabe que suas ações se inserem numa realidade construída a muitas mãos. Se, por um lado, não estar sozinho é reconfortante, pois temos com quem dividir as dificuldades, superando os obstáculos; por outro, lidar com problemas que nos afetam coletivamente sempre dá uma nota a mais de complexidade às situações: não existe apenas um fogo a se apagar, mas vários focos, e talvez um incêndio. Quando comecei a observar os meus arredores por esse ângulo, parece-me que ficou mais fácil ser mais compreensível com as minhas próprias limitações e com as de outrem. Afinal, as tarefas que nos são legadas no período em que vivemos não são mais fáceis que as das gerações passadas. O tempo corre sem fadiga, minucioso, segundo a segundo. Faço uma pausa. Entro num café aqui em Vila Velha e peço um cappuccino e um pão de queijo. Reparo numa mesinha de canto com revistas espalhadas e uma pilha de livros. Vasculho ali e me deparo com um de Caio Fernando Abreu, outro de Pablo Neruda e um terceiro de Eduardo Galeano: O Teatro do Bem e do Mal. Enquanto espero o pedido, vou folheando-o e me entretendo com a leitura, leve e essencial, como é típico desse autor. Converso com o dono do café sobre assuntos triviais e o elogio por aquele espaço para ler. Depois de um par de semanas, o café fechou as portas, mas o episódio fica nesta crônica. O isolamento, como vinha dizendo, é impossível. Buscamos calor humano. O náufrago imagina um fim de tarde na praia, jogando vôlei com a turma. E, na sua memória, lembra-se de um sorriso amigo que empresta ao silêncio de sua cabana uma esperança verde e morna. Depois ele acorda do sonho, ainda é criminosamente cedo, beija sua esposa na testa (que sorri ainda adormecida) e se arruma para ir trabalhar. Liga o carro e segue viagem, ouvindo na rádio sobre o trânsito livre na ponte.
André Luís de Macedo Serrano é natural de Vila Velha, Espírito Santo. É professor de português e pesquisador na área de Literatura. Escritor estreante, compartilha seus experimentos de minicontos no endereço eletrônico https://medium.com/@macedo.andre92.