Um mosaico de fábulas historiais
O primeiro volume de Como me contaram… fábulas historiais, publicado por Maria José de Queiroz em 1973, sai, nesta edição, em 2023, junto ao seu segundo volume. Herdeira de ancestralidades heroicas, em culto aos “deuses lares” e à mitologia da família, a escritora transita, nesses preciosos poemas, contos, lápides, pela história de Minas Gerais, metáfora do Brasil, conferindo às narrativas, um caráter fabulatório inigualável. Minas Gerais é, pois, estado d’alma e está além do som. A cronista, de prodigiosa memória, inscreve-se no texto registrando fábulas e acontecimentos, resgatando, pela escrita, as narrativas ouvidas, lidas e reconstruídas pela imaginação. As histórias ou realidades, sempre “bons pertences” da terra mineira, são organizadas num misto de folclore e de “verdade verdadeira”, ao sabor de Garcilaso de la Vega e de Jorge Luis Borges. Como um mosaico de “fábulas historiais”, ela vai juntando, por bricolagem, os pedaços da história. Desse exercício de mosaísta da escritora, resulta um quadro literário dos mais requintados. Marcados pelos nomes das cidades mineiras, Mariana, Vila Rica, São João Del-Rei, e pelas datas dos acontecimentos, 1752, 1782, 1898, esses registros parecem despretensiosos e quase corriqueiros. No entanto, lapidares, as narrativas dedicadas ao condenado de Vila Rica, a Maria Brites, ao bibliotecário do Caraça ou ao Lobisomem da Quaresma brilham na trama do bordado. Nessas histórias, é possível perceber uma técnica sofisticada, um rigoroso exercício de composição textual. Ao entrelaçar o fio da história com o fio da ficção, o texto escrito, nas mãos da cronista, é bordado e tapete com mil fios e mil histórias, idas, vividas e reinventadas. Há de se levar em conta, então, que a história, no registro de Queiroz, é “como me contaram”, ou seja, tem o aval de quem conta um conto, de quem aumenta ou subtrai ponto, linha, nó. Se qualquer destino pode ser inventado ou construído, o leitor deve estar atento ao risco do bordado, à construção desse tecido-texto que não tem por base somente o fio do que foi documentado, mas também o que foi desfiado, fiado e porfiado. Minas, como uma espécie de biblioteca infinita, exibe, nas fábulas historiais de Maria José de Queiroz, inúmeras e inigualáveis preciosidades narrativas. Vamos a elas!
Lyslei Nascimento
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