Signos dispersos, poema que abre este volume, apresenta o significado que a poesia tem para o poeta Márcio Maués: alimento para a vida, evanescência/ catarse que purificam os corpos enquanto o poeta lança grãos de náufrago – alimento para a vida. A evanescência surge em Ilha Ilhas, Preces molhadas – poemas xamânicos reforçados pela crença de que o poeta não morre, ressuscita – da ressurreição dos dias – e resiste ao tempo – a mensagem do tempo –, embora o próprio tempo acabe, como o poeta nos fala em dos rios que já passaram. E muito mais ainda, como catarse, a poesia é algo que corta a sua carne, como traduz o poema ampulheta sob lâminas, recompensada pela forma de amar no tempo, porque ele utiliza o próprio corpo como poesia – tateando o corpo – por uma absoluta necessidade. “Por isso escrevivo como quem solta folhas”, diz em antes de secar o presente. Catarse que dói, receita para afastar…, onde as turvações da memória das suas dores se mostram, mas com poder xamânico, o poeta resiste a ela sendo luz para quem teve a vida apagada. E essa mesma dor se transforma em poesia – pedras de amolar – embora saia revirando as gavetas do corpo e se transforme em explosão que vai ao encontro da sua missão: toma-se a lanterna para seguir nesse escuro, de tão perto, nunca nos vemos. Essa missão é uma forma de projetar signos essenciais para uma habitação poética numa sociedade em pesadelo e tão necessitada como a nossa, como traduz o poema pesponto, em que os dias dispersos querem descosturar tudo, e que a reinvenção da vida só será possível em terceira dimensão, a dimensão poética. Ao mesmo tempo, assistimos a evolução do poeta que dialoga com seu livro anterior, A pele que nos habita, só que a poesia não é mais a pele que nos habita, é a poesia que nos habita, assim como não é somente necessária (Max Martins), mas é eterna, como pode ser lida no poema adamantinus. Os poemas são adamantinus e circadiano coração, em que a forma traduz o baque do coração do poeta, para atravessar o tempo e as reencarnações da alma. Essa evolução se prolonga na reflexão da poesia dentro da própria poesia, quando se mostra um poeta-crítico em teço teias, corpos calosos, sob as névoas, temporal de agulhas ou no ludismo que caminha para o que Max Martins apregoava em sua poesia semiterminal, primeiro eu faço amor com as palavras – mindscape, onde o formato revela o título, e em vento de maio, cuja forma reformula a terceira margem do rio roseana. Márcio Maués mostra a possibilidade de ir e vir nos labirintos de si, porque agora já aprendeu o coágulo – crepúsculo decifrados – e sabe que é urgente fazer poesia, porque a poesia é silêncio e comunhão com as flores, e é chuva que lava a alma do poeta.
Julia Maués
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