Outro dia, sob o pretexto de que arrumava o meu quarto, mostrei no Instagram algumas medalhinhas que conquistei na juventude. Passada a euforia inicial e já arrependido, me apressei em pedir desculpas por aquela vaidosa fraquejada. As desculpas eram tão falsas quanto o pretexto de arrumar o quarto, mas achei melhor pedi-las mesmo assim. Porém, o que me impressionou foram as mensagens de apoio que recebi em seguida, todas elas tentando justificar a minha exibição e me absolvendo de qualquer culpa: — Relaxa, cara, você só quis compartilhar com os amigos as suas conquistas passadas… Compartilhar as conquistas com os amigos! Essa foi boa. Fiquei pensando na mudança de sentido que o verbo compartilhar adquiriu ao longo dos anos. Antigamente, compartilhar um bolo com os amigos era dividi-lo e oferecer um pedaço a cada um. Hoje, significa apenas publicar uma foto do bolo e deixar os amigos salivando. E para além da questão semântica, percebi que algo mais havia se transformado com o passar dos anos: a mera capacidade de identificar uma atitude vaidosa parece ter sido atrofiada na maioria das pessoas; ou, ao menos, há um lugar no mundo onde se faz vista grossa e tudo é permitido: as redes sociais. Volto à adolescência e recordo o momento em que ouvi falar delas pela primeira vez: um amigo me apresentava um site da internet chamado Fotolog e mostrava que uma colega de nossa turma tinha uma seção inteiramente dedicada a fotos suas, ali expostas para todos verem. — Oxe, olha ela! Está pensando que é modelo, hein? Haha! Quem se interessa por isso, meu Deus? E ali permanecemos, curiosos, achando aquilo ridículo e julgando-nos imunes à doença. No início, foram principalmente as garotas mais bonitas e populares que experimentaram a novidade, mas em seguida vieram todas e todos. Perguntei a um outro amigo (este, mais próximo, quase um irmão): — Por que tu criou uma rede social se tu é feio? — O que tem a ver? E tu é tão bonitinho! Aliás, me enganei: antes dos fotologs, já existiam os portais de bate-papo, onde conversávamos e trocávamos arquivos com os amigos. Foi por essa época que um escândalo impressionou a juventude da minha cidade: uma foto (bastante íntima) de uma garota do Colégio de São Bento começou a circular livremente pelos computadores — não me lembro dos detalhes, parece que ela tinha enviado a imagem ao ex-namorado na esperança de atraí-lo de volta… O que sei é que quase todos os olhos adolescentes de Recife e Olinda acabaram vendo tudo. A menina devia ter uns quatorze anos e se mudou com sua família para bem longe. Era apenas o princípio das dores. Vinte anos depois, as redes sociais cresceram mais que todas as previsões e, com a pandemia, substituíram de vez o convívio social. Nelas, estamos todos, menos unidos que separados: a minha geração, a geração mais nova e a geração dos meus pais. Nelas, confundimos amigos e seguidores; divulgamos nosso cotidiano e nossa visão de mundo (quem se interessa, meu Deus?); distinguimos os que nos adoram dos que nos desprezam; nos escandalizamos e causamos escândalo. Graças a elas, acreditamos ter domesticado a vaidade, que corre sem freios por toda parte, aparecendo às vezes disfarçada de qualquer virtude, mas que continua sendo a mesma velha e má conselheira de sempre. E onde quer que a vaidade esteja em evidência, estará também a sua eterna rival, igualmente perigosa, porém mais discreta e envergonhada: a inveja. Dizendo tudo isso, devo parecer um moralista anunciando a decadência da moral e dos costumes. Não chego a tanto. Sou inclusive esperançoso: creio que se continuarmos defendendo o cuidado com a saúde mental e lutando contra os estigmas dos antidepressivos e da terapia desde o começo da adolescência, é possível recuperarmos um certo equilíbrio. Sem esquecer a atividade física diária, que é essencial. Tudo vai ficar bem. Ao terminar de escrever este texto, o que realmente me preocupa é a sua repercussão — que ele seja bem recebido e tenha um alcance amplo; e que além disso, o meu nome e a minha foto apareçam ao final, dando os créditos a quem de fato os merece. Sou um homem do meu tempo.
Pedro Bello nasceu no Recife, em julho de 1989. É formado em Engenharia da Computação pela UFPE e concluiu o mestrado em Ciência da Computação na mesma instituição. Atuou como engenheiro de software na Google (Califórnia) e como líder de Pesquisa e desenvolvimento na In Loco (Recife). Seu amor pela literatura ganha forma com a publicação de Caminhos Ímpares, livro que marca o início de sua carreira literária.
Gostei muito da sinceridade. Relaxa, cara, você só quis compartilhar o seu talento. Nem Diógenes de Sínope escapou; a falta de vaidade também é uma forma de vaidade.