O próximo livro

Sou do tipo que lê bem devagar. Gosto de ficar com o livro ao lado da cama semanas a fio, degustando cada novo capítulo e remoendo as ações e os diálogos entre os personagens. Mas daí vem o final inevitável e com ele a angústia de ter que encontrar um livro novo, melhor ou tão bom quanto o atual.

Também sou do tipo que adora uma biblioteca pública. Tinha a minha preferida em São Bernardo, a Monteiro Lobato, e hoje frequento a Sylvia Orthof aqui no Tucuruvi, zona norte de São Paulo, onde moro.

É bom quando encontro o próximo livro rapidamente. Mas é ainda melhor entrar na biblioteca sem ter certeza do que quero e passar a hora seguinte procurando algum autor ou autora que vai ocupar o espaço (e o tempo) de seu antecessor.

Com os DVDs, no tempo das locadoras, era a mesma coisa. O prazer da busca algumas vezes até superava o prazer de assistir ao filme escolhido.

Tenho em mãos O sonho do celta, de Mario Vargas Llosa; forte candidato a figurar na minha lista de melhores livros. Outro que foi pinçado na Sylvia Orthof depois de muita procura e alguma hesitação. E que sorte eu tive! Um romance histórico que narra a saga de Roger Casement, personagem extraordinário, para dizer o mínimo, controverso e, sem dúvida, daqueles que a gente jamais esquece. Roger foi testemunha das atrocidades cometidas no Congo Belga e na Amazônia peruana. Ele não só testemunhou, mas fez tudo o que estava a seu alcance — correndo risco de vida inclusive — para denunciar a barbárie humana elevada à potência máxima. O horror, enfim.

O sonho do celta está comigo há algum tempo. Por conta dele, da inquietação que tem me causado, tenho pensado com certa insistência na inviabilidade da espécie humana.

Esse ritual na busca pelo próximo livro tem a ver com a importância que cada um dá ao momento da leitura; o quanto ela realmente importa para satisfazer o desejo insaciável de compreensão do mundo e, no limite, de nós mesmos. Difícil imaginar a vida sem esses caras, os livros. Talvez sejam os únicos capazes de nos desviar do caminho da autodestruição. Há esperança.

Claudio Gonçalves estudou Ciências Sociais na USP e Direção Cinematográfica na Escuela Internacional de Cine y TV (Cuba). Escreveu, dirigiu e editou dois longas-metragens independentes, videoclipes, curtas e documentários premiados no Brasil e em Cuba. Professor de direção e edição, coordena outros cursos livres e também participa de festivais e premiações como membro de comissões julgadoras. Seu conto Tormento recebeu uma menção honrosa no 2° Prêmio Literário Fernanda Botelho (Cadaval, Portugal).

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