Eros uma vez

Estávamos caminhando em direção à cantina, num intervalo de aulas. Ela me mostrou um poema, num caderno de rascunho, escrito a lápis, era um texto saído de um só fôlego. Minha comoção foi imediata, a força daqueles versos me tocou o coração e a pele. Foi assim que conheci a Eliana poeta, cuja sensibilidade eu já partilhava, como colega da universidade, nas trocas acadêmicas sobre a filosofia e a psicologia existencial. Anos depois, essas trocas tiveram continuidade em outro campo, a Oficina Letras e Ponto, animada pela querida Dagmar Braga, com quem tanto aprendemos, no paciente e prazeroso ofício da escrita literária. E agora, o que dizer da potência poética deste Eros uma vez? Pergunto-me se a originalidade deste título não é uma armadilha da autora para o leitor. A que vem, afinal, esse jogo de palavras? Quais cenas a serem aqui narradas, qual o sentido desse Eros? Será que precisamos recorrer a Platão, Freud, Bataille ou Tillich, para entendê-lo? Ou é mais simples e prazeroso nos rendermos diretamente à leitura dos poemas da Eliana, um enigmático desfile de fragmentos, de histórias acabadas ou inacabadas, envoltas no fascínio de seus versos? Pois a leitura desse livro descarta um abstrato Deus do Amor, grego ou moderno, oferecendo-nos diretamente as mais diversas faces de eros, mesclando romantismo, philia, ágape, destilados em dramas que, num jogo de forças contraditórias, nos arrastam às deliciosas lembranças e paisagens da infância, a reencontros ardentes do próprio corpo e do corpo do outro, à simples fruição do momento presente, mas também aos caminhos da solidão, da finitude, da perda de entes amados, da velhice, da desilusão – às vezes à beira do abismo, tudo isso temperado, aqui e ali, por uma fina ironia, pelo humor despudorado que não dispensa um palavrão. Eliana é capaz de colocar, na ficção da primeira pessoa, do “eu poético”, a universalidade de sentimentos e situações que dizem respeito a cada um de nossos dramas pessoais. No entanto, a face de eros está mesmo pujante é na força vital de seu texto, das palavras escolhidas a dedo, para tecer tão deliciosos poemas. Ou para nos mergulhar no encanto de sua leitura.