Artista renomado, Fernando Pacheco revela agora seu lado poeta

Mestre dos pincéis, o mineiro lançou, no final do ano passado, um livro com 33 poemas; e, neste ano, já acalenta novos projetos

 
 
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Fernando Pacheco: “Arte é gênero de primeiríssima necessidade, nos faz olhar para dentro de nós mesmos, desvelar mistérios, sonhos e fantasias”
Foto: Pedro Vilela/Divulgação

Um hábito que Fernando Pacheco sempre cultivou em sua trajetória de mais de 50 anos nas artes plásticas foi o de dotar suas obras de um título. “Isso, desde sempre. E, veja, não são títulos descritivos, subservientes ou explicativos. São, na verdade, independentes – às vezes surreais, às vezes poéticos”, conta, acrescentando que já houve quem desejasse escrever um livro a partir dos imaginativos títulos por ele pensados, como: “A Palavra atrás da Língua”, “Veludo de Urso”, “Movimento Inerte”, “Ovo de Pedra”, “Pedras e corações”, “O lado escuro do Sol” ou “Escamas de Penas”, para citar alguns. 

Foi nesse movimento espontâneo que a poesia se atrelou ainda mais à vida do mineiro nascido em São João del-Rei em 1949 – antes, ela já se fazia presente, de certa forma, de forma orgânica, como no contato com a natureza. E, em 2015, veio a oportunidade de lançar um livro em conjunto com o poeta Lucas Guimaraens – no caso, Pacheco mostrando suas pinturas, Guimaraens, se incumbindo da escrito. “Lendo os 33 títulos das obras, eles soavam como poemas. Por essa aproximação de pintura e títulos poéticos, acho que a poesia sempre esteve presente em minha criação artística, em minha vida e em meu atelier pictórico”, analisa o artista, que, no final do ano passado, deu um passo além, lançando o livro “Poemas de Atelier” (Caravana Grupo Editorial, 79 páginas, R$ 49,90), que reúne material escrito de 2005 a 2020. “Talvez um ou dois (poemas) mais antigos”, situa. 

A seleção, diz ele, se deu em um amplo universo. “Tanto na questão tempo, espaço, emoção. Há, por exemplo, ‘Quarto de Brinquedo’, que é bem antigo. Há os que escrevi dentro do atelier diretamente ligado às coisas do fazer artístico; os que se relacionam com os sentimentos da alma, com as coisas da vida e/ou da morte. Mas a condução se deu pelo fio que une arte e vida como uma só coisa. Poemas cujo mote são as coisas que passam pelo atelier mental, pela cabeça do artista. Vida e arte, arte e vida”, precisa ele.

Uma curiosidade é que se, como dito, as telas de Fernando Pacheco ganham títulos poéticos, a maioria dos poemas dele, não. “Eles simplesmente são!”, resume Pacheco, que, provocado pela reportagem a citar alguns em particular, destaca, inicialmente, o contido na página 10, “Encharquei minha alma de pintura”, que resumiria a relação dele com a pintura/arte. “Tudo que vejo é filtrado pelo olhar democrático da arte. Ou seja, tudo é metáfora, tudo tem muitos outros significados em minha vida e em minha pintura. ‘Pintura minha cor, pintura minha dor’, na página 12, mesma coisa. Vida e arte se misturando. A cor muitas vezes sendo retirada dos pigmentos da dor de viver. Já o poema ‘Papel’, na página 72, fala do papel físico: produto tão ligado ao fazer artístico e, por outro lado, o papel a se desempenhar. Teria o artista algum papel, política ou socialmente falando, a desempenhar? ‘Nossa vida, do que é? De carne e sangue, sonhos e esperanças? Ou apenas um papel?'”. 

O último poema do livro, “Atelier de Trás pra Diante”, por sua vez, termina, segundo Fernando, “onde começa e tudo se recomeça”. “É o trabalho do pintor. Como Sísifo, o desenvolvimento da obra nunca termina. Findado um quadro, o começo do próximo”.

Embora a poesia seja pulsante em sua vida, Fernando Pacheco assume não ser um leitor voraz do gênero. “Como também não sou fruidor voraz de livros de pintura. Percebo as coisas através da intuição, e a poesia vem de graça no ar, como um sopro de vento causado pelas asas de um pássaro”, filosofa. O convívio com amigos poetas, prossegue, cumpre o papel de preencher a sua cabeceira. E são muitos. “Tonico Mercador, Murilo Antunes, Lucas Guimaraens, Márcio Borges, por exemplo”, lista. “Minha pintura, certa vez, foi comparada, por Bartolomeu Campos de Queirós, à poesia de João Cabral de Melo Neto, o que muito me emocionou. Já (Carlos) Drummond está em nosso peito mineiro. Manoel Bandeira, Mário Quintana… mas literalmente, se formos falar no tal livro de cabeceira clássico, para dizer apenas um, seria Ferreira Gullar. ‘Poema Sujo’ permaneceu de fato em minha cabeceira, já ‘Traduzir-se’, na parede de meu atelier, e por anos”.

Tempos de quarentena
Desde o início da pandemia, em março, Fernando Pacheco e a mulher, Nina, se transferiram para a Casa Atelier, na Pampulha. “Estamos aqui, em isolamento social. No meu aniversário, em maio, falamos somente por vídeo com os filhos e noras. Também daqui acompanhamos a gestação de nossa primeira netinha, Alice”, exulta ele, que tem postado fotos da menina em suas redes. Pacheco ressalta que, em seu refúgio, de quebra também encontrou meios que acredita poderem reforçar seu sistema imunológico, graças à existência de áreas para praticar exercício e tomar sol. “Além do ar puro e da presença de pássaros”, adiciona. 

Mas de uma maneira geral, o artista reflete que o isolamento em si pouco o afetou. “O meu trabalho em pintura sempre foi muito solitário. Diferentemente de grupos de teatro ou dança, por exemplo, nos quais o trabalho é desenvolvido coletivamente. O trabalho de pintor é basicamente individual. Há décadas estou acostumado a passar finais de semana sozinho no atelier, desenvolvendo algum trabalho, pintando algum painel, como no caso do ‘Voar’, do aeroporto internacional de Confins. Portanto, o distanciamento não muda muito a minha rotina. Apenas sinto falta do abraço dos amigos queridos, além de me preocupar bastante com aqueles que se encontram em situação de risco de contágio e lamentar profundamente a partida prematura de tanta gente”.

Em termos profissionais, além do livro lançado recentemente, ele ressalta a “honra e a alegria” de estar sendo convidado para lives. “No caso do livro, tive muita ajuda da editora e do Toninho Mercador. Mesmo assim, foi necessária muita dedicação, pois fiz todas as ilustrações, uma para cada poema, além da capa”. No caso das lives, ele pintou, ao vivo, enquanto Flávio Venturini recebia seus grandes convidados, Telo Borges e Cláudio Venturini. Também participou das transmissões da Orquestra Opus e Beto Guedes. Não só. “Nesta quarentena, estou dando sequência ao livro ‘Fernando Pacheco – Atelier em Movimento’, que narra minha experiência em turnês de exposições em países da Ásia e da Oceania, e ao documentário ‘Fernando Pacheco – O Papel do Artista'”.  Quanto à pintura, ele avalia que a percepção intuitiva sobre esse momento está, de certa forma, sendo refletida em quadros que, em breve, serão submetidos ao olhar do público.

Confira, a seguir, outros trechos da entrevista

Com o quê tem preenchido seu tempo nesta quarentena? Paralelamente à minha pintura, fiz ilustração para contos literários do Tavinho Moura, dei sequência à pintura conceito da série “O Papel do Artista”, que utiliza, como suporte, papelões e cartões de embalagens comerciais. Criei logomarca para um projeto do Murilo Antunes, escrevi depoimento para o livro do Tonico Mercador, criei identidade visual para evento do amigo Valdez Maranhão… Por fim, cuidei da organização do Espaço de Documentação e Memória do meu atelier e da repatriação de minhas obras que estavam em Miami. Portanto, pouco tempo para filmes e leituras. Uma pena!

O que te surpreendeu positivamente neste período, em relação às atitudes das pessoas? Por outro lado, o que te decepcionou mais? O que me surpreendeu positivamente, foi a solidariedade, a mobilização de cidadãos comuns em prol da vida, como meu filho Du, por exemplo, que foi ser voluntário a favor de necessitados moradores de rua. O que mais me decepcionou ou bateu fundo, foi a atitude de políticos que, em vez de proteger a população, desviaram verbas, superfaturaram produtos e equipamentos, afim de levarem vantagens pessoais através da miséria, sofrimento e morte. Crimes hediondos! Mesmo na sociedade civil, decepção pelos que insistem em se aglomerar sem proteção, egoístas, que insistem em promover festas e burlar o que é obvio em uma pandemia.

O que espera do mundo pós-pandemia, talvez lá para meados do ano, com a vacinação? Com a quarentena, os passarinhos voltaram, o silêncio no lugar de gritos e berros toda a madrugada em casa de empresa que promove festas em áreas residencial. Trânsito com menos carros rodando à toa. A poluição diminuiu, o consumo desenfreado diminuiu, e o planeta agradeceu! Espero que, controlada a pandemia, as pessoas possam circular e se abraçar com saúde, mas respeitando toda e qualquer forma de vida neste planeta. Fauna, flora, florestas e rios. O ser humano precisa aprender a respeitar a vida, e o outro ser humano, no que o significado da palavra Respeito tem de mais profundo.

Nesta pandemia, com o isolamento, ficou muito nítida a importância da arte como alento. Queria que me falasse sobre isso… A força, a importância da arte para o homem. Sim, isolados, muitas vezes em um pequeno espaço, a arte em seus diversos gêneros, música, teatro, cinema, dança, poesia, pintura, fotografia, etc.. foi alento, entretenimento e, sobretudo, reflexão. Arte é gênero de primeiríssima necessidade, nos faz olhar para dentro de nós mesmos, desvelar mistérios, sonhos e fantasias. Mas não podemos é confundir atividades voltadas exclusivamente para o negócio lucrativo e/ou para grupos elitistas travestidas de arte. Arte é intuição, reflexão, Alma e coração. Ética, estética, verdade, compaixão. Arte é território no qual a nossa fantasia possa encontrar diálogo. Arte é fundamental.

Fonte: https://www.otempo.com.br/diversao/artista-renomado-fernando-pacheco-revela-agora-seu-lado-poeta-1.2432289

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