Na última FLIP (novembro de 2023) participei da mesa que fez bastante sucesso. A questão era: Como nasce um romance? Esta é uma pergunta que nos leva aos tantos mistérios que a vida engloba. Com o livro pronto, o próprio autor já não se lembra das pequenas inspirações que o envolveram para que criasse cada momento da história. Como escrevo romances policiais, começo criando uma estrutura de começo, meio e fim ou crime, investigação e solução. Pego um fato real, que seleciono entre as tantas tragédias que são noticiadas pela mídia, e parto para a ficção. Daí, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Quando monto a estrutura, o que preciso saber é o que o leitor vai perguntar durante toda a leitura: Quem é o assassino(a)? Eu, como autora, tenho de saber quem matou para ir levando a história nessa direção. Mas, tentando responder à pergunta: como nasce o romance, trago o trecho de um livro que li há algum tempo, de Amoz Oz, escritor que muito admiro. O nome do livro é Do que é feita a maçã. O livro relata conversas que o autor teve com sua editora. E, falando sobre a escrita, como se “monta” uma história, ele diz: ”Tome uma maçã. Do que é feita a maçã? Água, terra, sol, uma macieira e um pouco de adubo. Mas a maçã não se parece com nenhuma destas coisas. É feita delas, mas não se parece com elas. Assim é uma história que, com certeza, é feita de uma soma de encontros, experiências, inspirações e atenções.” Depois de uma história pronta é difícil separar as partes da qual ela é feita. Como autora, posso dizer que com o livro editado, vamos nos esquecendo de onde tiramos cada detalhe trabalhado. Nos esquecemos das pessoas reais e fictícias que nos fizeram imaginar personagens com as quais vamos criando uma intimidade que muitas vezes não temos com pessoas reais. Meu detetive Alyrio Cobra é uma mistura de pessoas reais e investigadores da literatura que adquiriu uma personalidade própria. É com ele que tenho longas conversas para decidir que “crime” vamos investigar! De onde vem a escrita, de onde vêm as histórias? Acredito ser mais um dos tantos mistérios da existência. Em geral, vemos nos romances uma vida individual ligar-se a um elemento divino, ou de algum modo sobre-humano, de tal forma que os acontecimentos de uma existência adquirem um significado que os supera e os encanta. Assim também o leitor, ao acompanhar o enredo e as situações que o romance tece em torno de sua personagem, se encanta, participa desta vida fictícia e introduz de algum modo sua própria existência na esfera das experiências, dos amores e desamores da personagem. Podemos então afirmar que a formação de nossas histórias é mais um dos mistérios da existência.
Vera Carvalho Assumpção criou, em 2003, o detetive particular Alyrio Cobra, e a cidade São Paulo é o cenário das tramas de seus romances. Em 2016, a escritora participou da BAN (Buenos Aires Negra) e em 2018, do Porto Alegre Noir, coordenando a mesa “Detetives de ficção: ontem e hoje”. Em 2019, participou da “Quinta Noir”, na FLIPOÇOS, venceu o Prêmio Bunkyo de Literatura e participou de “A narrativa policial e as cidades do crime” na Academia Mineira de Letras. Em 2020 e 2023, venceu o Concurso Ecos da Literatura.
Parabéns pelo texto!
Sempre questionei, ou melhor, imaginei se os protagonistas de livros ou músicas tinham parcelas das experiências vividas pelos autores ou eram pura fixâo? Quanto cada personagem traz de realidade ou expectativas e inspirações com pitadas do senso criativo?
Muito louco pensar nisso, imaginando que possivelmente esses caras, marcam vidas com suas personalidades e histórias e que na verdade são fruto de uma mente criativa.