Por meio de um só clique foi possível visualizar todo o panorama daquela rua, localizada no coração da grande mancha urbanizada onde se situava o Farofino. Havia uma floresta de altos apartamentos, carros buzinando devido ao trânsito congestionado numa avenida comprida, espaçosa também. Ali, bem na calçada de um prédio abandonado, pude ver dois pedaços de tábuas médias sob um grosso papelão. Até parecia uma cama de improviso e organizada por alguém que residia naquele endereço. A um quilômetro dali, dobrando mais uma rua à direita, localizava-se o maior shopping center da região. Pessoas de pompa, carros de luxo, filhos de gente famosa, lojas de roupas importantes. Todos requisitos de um lugar que receberia personalidades internacionais às vezes. Farofino, por sua vez, aparecia discretamente com um enorme saco de seda na mão, carregando alguns recicláveis: latinhas de refrigerantes, garrafas pets e um monte de sacos plásticos, tudo num mesmo emaranhado de coisas. Farofino divide as calçadas com o sereno intenso das fortes geadas. Não reclama sobre o porquê de estar nessa condição de vida. Não aponta culpados por vivenciar uma situação hostil e puramente indesejada de um ser humano. Quando não se prostra sobre aquela tábua e papelão, encontra-se jogado no depósito de ferros velhos. Ali, costuma passar horas a fio, a fim de juntar o que seria lixo em troca de migalhas de pão ou então para trocar todas essas coisas na fábrica de reciclagem, à espera de alguns trocados. Quer faça chuva, quer faça sol, e o homem de lata a contribuir com a melhora ambiental, reduzindo o volume de sujeiras, de lixos sólidos largados pelas vielas. Apesar de não ter sido reconhecido pelo trabalho tão limpo que se preza, ele fazia esse serviço com bastante empenho e, sobretudo, com dignidade. Esse trabalho, portanto, além de não render muitos lucros, era o ganha-pão dele nas horas mais sofridas.
Maurício Régis vive no Rio de Janeiro, é autor de Retratos d’África, publicado pela Caravana Grupo Editorial.