Fundamento neopentecostal no bolsonarismo: salomonismo de ocasião e antídoto

O neopentostalismo brasileiro baseia-se na famosa teologia da prosperidade em que, na pressa pelo Paraíso, mundanizam a salvação pela riqueza. Vire-se o Sermão da Montanha (Mateus 5 – 7) ao avesso e teremos tal tipo de teologia.

Os evangélicos do tipo neopentecostal, dominante em nosso país, supostamente seguem por princípio os ensinamentos dos evangelistas. Mateus, Marcos, Lucas e João. Entre esses evangelhos não há indicação qualquer acerca de uma prevalência da riqueza em relação à pobreza como distinção moral ou de benesse divina aos seus escolhidos.

Jesus identifica a pobreza com a perfeição (Mateus 19:21) e afasta a riqueza da possibilidade de salvação (Lucas 18: 24 – 25). Esses são alguns dos trechos mais conhecidos da Bíblia e claro que os quatro superpastores do juízo final (Malafaia, Soares, Macedo e Santiago) o conhecem. Mas por que o minimizam ou o ignoram? Porque Jesus pode até ser mais comentado, mas não é seguido. As falas de Jesus são pouco aproveitadas nos sermões desses superpastores e quando são utilizadas, são aquelas falas que se referem ao Antigo Testamento. Então… quem seguem? Seguem O cara!

Não vou gastar nossos tempos com a teologia estrita, que nos importaria pouco, mas podemos identificar no texto bíblico outros livros em que o discurso da teologia da prosperidade é bastante defensável. O Velho Testamento. Old but Gold. Ali está o filé tribal, primitivista, grandiloquente em que a água não se torna vinho, coisa de comunistas bêbados, lá a água do Nilo vira sangue, mares se abrem para os escolhidos, inundações mundiais, animais falantes, a criação do mundo, o pecado humano da ira é nada comparado à virtude divina da ira, Moisés, Jó, Davi, Salomão. Pausa. Salomão, eis o homem!

O cara do neopentecostalismo é Salomão. Rei, poderoso, rico, devasso e abençoado. Escreveu poemas “gospel”, não elogiava a pobreza, fama de sábio, teve muitas, muitas, mulheres (1 Reis 11:3). Era o cara! Nada de jejum no deserto e o céu para os pobres. Apesar de não ser o mais referido dos personagens bíblicos é este o mais seguido.

A “imitação de Cristo” não é mais um imperativo, deve-se imitar Salomão. Assim um cristianismo pouco ou nada paulino, torna-se salomônico, quase um salomonismo. Cristo é convidado a ser um antimodelo, salvador num futuro incerto, mas não líder verdadeiro do presente.

Seria então o neopentecostalismo um salomonismo de ocasião? Exagero meu. Não é. Neopentecostalismo baseia-se em mais que Salomão e menos que no Cristianismo, por basear-se somente no Velho Testamento é no máximo um judaísmo degradado, sem os séculos de história dos judeus, sem o Talmude. Sem a reflexão e a profundidade dos protestantes históricos, o estudo e a hermenêutica dos rabinos ou o apego à pobreza dos franciscanos.

O estereótipo pré-cristão de rei é o modelo neopentecostal e não as pregações de Cristo.

Assim ficamos menos perplexos ao constatar que parte aparentemente bem grande dos neopentecostais brasileiros consideram certas torturas justas, ditaduras democráticas, ditadores o grande líder tribal da pátria e que o sangue dos impuros pode ser derramado em favor da tribo dos escolhidos.

Quando um já antigo presidente, ao vencer as eleições do longínquo 2018, disse que o ideal seria que o Brasil voltasse a ser o que era 40 ou 50 anos atrás, não foi necessário mais para identificar seu reacionarismo. O reacionarismo dos superpastores é mais radical, pois desejam muito mais.

O retorno do reacionarismo neopentecostal não é aos anos quarenta do século XX, mas talvez aos anos quarenta de algum século pré-Cristo em que Javé condenava populações por vingança (Gênesis 7). Não se pode entender o fenômeno Bolsonaro à luz pós-iluminista. É olhando pro deserto que ele fala, não como um messias, mas como um líder tosco de tribo fanática. Tanto faz o conteúdo estrito da fala, o que importa é que é ele quem fala.

Portanto, não gastemos nossos argumentos pós-modernos, contemporâneos, líquidos-baumanianos. Eles são inúteis. Os superpastores e seus rebanhos passaram a rosnar em eco à voz de Bolsonaro não por concordarem com seus argumentos, mas por amarem sua mística de líder tribal tosco, ganhando no grito, usando o patrimônio da tribo como seu, colocando os de sua família acima dos desígnios da tribo, amando a vingança e a violência como justiça, pregando castidade e escondendo a própria devassidão.

Não é impossível que num futuro venham a condenar o novo testamento, louvar fariseus e saduceus, o bom Pilatos, matador de comunistas e se entregar às claras a Salomão, o verdadeiro mestre.

Valdinéli Ribeiro Martins é formado em Filosofia pela UFPR, na área de política. Nascido em Tomazina, no interior do Paraná, reside atualmente em Pinhais, próximo a Curitiba. Tem alguns artigos publicados no site do canal My News sobre política e afins, já escreveu em blogs, teve contos publicados no jornal literário Relevo e menção honrosa no Concurso Nacional de Contos Newton Sampaio, em 2005. Escreveu o livro de contos Apagar-se aos poucos, ainda não publicado, e o romance Flávio Falho (Caravana, 2022)

3 thoughts on “Fundamento neopentecostal no bolsonarismo: salomonismo de ocasião e antídoto

  1. Aline Pereira de Paula says:

    Eu vi o bolsonarismo subir nos púlpitos de igrejas tradicionais também. Muitas! Vi denominações sérias, onde o estudo bíblico neotestamentario é priorizado desde o berço, influenciando os membros, sobre “o defensor da família”. A questão é que o bolsonarismo ultrapassou as urnas e ainda segue forte como um tipo de messianismo herético, não apenas entre os neopentecostais, também em muitas igrejas tradicionais (mas, sempre há um remanescente que não se dobra ao ídolo). O que está por trás do fenômeno social da polarização é a identificação com a promessa de eliminar os “incômodos da sociedade” , esse é o discurso que aliciou o que há de pior em muitas pessoas, que estão vivendo um tipo de transe hipnótico, uma fantasia coletiva que os mantém na defensiva quanto à realidade objetiva. Essas pessoas são nossas conhecidas, amigos, vizinhos, parentes, que, neste tempo, não suportam contrariedades! O diálogo é impossível. Jesus ensinou sobre a tolerância e a polarização é um veneno contra esse ensinamento. É como se fosse a caverna da alegoria de Platão numa versão portátil. Enfiaram nas cabeças e não querem sair de lá.

    • Maria Alina Aniceto says:

      Sou uma dessas pessoas que abriu os olhos e ouvidos para não ser engolido pela má índole que habita nessas pessoas. Em tempo, salvei meu Cristo desta coroa de espinhos e dessa pesada cruz cravejada de brilhantes.

  2. Maria Alina Aniceto says:

    Sou uma dessas pessoas que abriu os olhos e ouvidos para não ser engolido pela má índole que habita nessas pessoas. Em tempo, salvei meu Cristo desta coroa de espinhos e dessa pesada cruz cravejada de brilhantes.

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